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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, maio 28, 2011

Ver é lembrar: as fotografias perdidas de Hiroshima


O  Centro Internacional de Fotografia, em Nova York, está expondo, deste mês até agosto, uma mostra de fotos intitulada Hiroshima-Gound Zero (uma referência ao Marco Zero, como é conhecido o lugar onde ficava o World Trade Center).  O vídeo que posto aí em cima é montado a partir de algumas delas. São fotos que apareceram misteriosamente, segundo conta Adam Harrison Levi, do site Design Observer, num texto fantástico, que em parte reproduzo abaixo.
“Uma noite chuvosa, há oito anos em Watertown, Massachusetts, um homem levou seu cachorro para passear. Na calçada, em frente à casa de um vizinho, viu um monte de lixo, colchões velhos, caixas de papelão, uma lâmpada quebrada. Entre os destroços, viu uma mala  maltratada. Ele abaixou-se e abriu o fecho.
Surpreendeu-se ao descobrir que a mala estava cheia de fotografias em preto e branco. Mais surpreso ficou ao ver as fotos: edifícios devastados, vigas retorcidas, pontes quebradas – instantâneos de uma cidade destruída. Rapidamente fechou o mala, arrastou-a e voltou para casa.
Na mesa da cozinha, olhou as fotos uma a uma, e confirmou o que suspeitava. Ele estava vendo algo que nunca tinha visto antes: os efeitos da primeira utilização da bomba atômica. O homem olhava para Hiroshima.
De um estilo frio e científico, 700 fotografias na mala compunham o catálogo de uma cidade devastada por uma nova forma de fazer a guerra. A origem e a finalidade das fotografias eram um mistério para o homem que os encontrou naquela noite. Agora, mais de sessenta anos depois do bombardeio de Hiroshima, sua história pode ser contada”.
Trinta e um dia depois da explosão, uma equipe de cientistas dos EUA sobrevoou a cidade. “Era uma enorme cicatriz plana, vermelha de ferrugem, e não verde ou cinza”, disse Philip Morrison ao The New Yorker em 1946, “porque não estava coberto com vegetação. Eu tinha certeza o que veria depois não me impressionaria tanto como isso”
O mundo tem muito poucas fotografias do que deu a Morrison  aquele choque inesquecível. E não é por acaso. Em 18 de setembro de 1945, pouco mais de um mês após o Japão ter se rendido, o governo americano impôs um código de censura à nova nação, derrotada. Disse que uma das partes: “nada que será impresso que possa, diretamente ou por inferência, perturbar da tranquilidade pública.”
O governo dos EUA ostensivamente procurou evitar as emoções de tristeza e raiva no Japão com a circulação de imagens da cidade destruída. Estavam tão ansiosos em evitar esses sentimentos como em manter a confidencialidade de sua nova e terrível arma. Mas essa supressão de provas visuais serviu um terceiro objectivo: ajudou, tanto no Japão quanto nos Estados Unidos, para inibir qualquer questionamento sobre a decisão de utilizar a bomba.
Desde a invenção da câmera em 1839, a fotografia tem andado de mãos dadas com a morte, principalmente após a experiência da guerra. Desde as fotografias de Alexander Gardner e Matthew Brady viu as imagens das morres na guerra civil em Gettysburg, com Robert Capa vieram as imagens viscerais da Guerra Civil Espanhola. As imagens de morte e destruição documentaram a brutalidade da guerra.
A 2ª Guerra Mundial testemunhou o amadurecimento da tecnologia fotográfica, que começou a ser móvel e melhorou sua a capacidade de capturar imagens da devastação. Aí estão as fotos de Dresden depois das bombas incendiárias, ou de Londres durante os bombardeios, ou dos campos de concentração de Auschwitz e Bergen-Belsen, após a sua libertação. Uma série de imagens desde então se converteram em flashes de memória que nos levam a um lugar comum: as imagens poderosas e inquietante do impacto destrutivo da guerra.
No entanto, quando pensamos em Hiroshima o que vem à mente é a nuvem de cogumelo, uma nuvem, uma imagem abstrata, livre da ação e da dor humana.
A falta de evidência visual sobre o efeito da bomba atômica nos ajudou a esquecer as suas consequências devastadoras. Ver é lembrar. Até agora, foram poucas as imagens à disposição do público sobre o que aconteceu com as pessoas quando a primeira bomba atômica explodiu. Como resultado, tornou Hiroshima, escreveu o romancista Mary McCarthy em 1946, “uma espécie de buraco na história humana.”
Estas imagens de alguma forma ajudam a preencher esta lacuna em nossa memória histórica. Tirada durante as semanas seguintes ao ataque, mostrando uma paisagem estranhamente vazia e silenciosa, são como as ruínas de uma civilização desaparecida.

Hiroshima: Ground Zero 1945 from ICP on Vimeo.


*tijolaço

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