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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, janeiro 29, 2012

As ditaduras são abomináveis, mas a impunidade é insuportável, diz Ramonet

Via SUL 21
Ramonet: ""Precisamos mostrar os horrores da ditadura em museus, nos manuais de escola, em solenidades" | Foto: André Carvalho/Sul21
Vivian Virissimo
O ex-editor do jornal Le Monde Diplomatique, Ignacio Ramonet, falou no Fórum Sócial Temático (FST) no início da tarde desta sexta-feira (29), no debate Os direitos humanos e a memória das Lutas. “Precisamos mostrar os horrores da ditadura em museus, nos manuais de escola, em solenidades, definir datas nos calendários para lembrar as vítimas. Isso ajuda tanto os familiares quanto a coletividade nacional para que o trauma dessa violência seja superado”, disse Ramonet. “Ditaduras são abomináveis, mas a impunidade é insuportável”. Proposta pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), a abertura e coordenação da atividade ficou a cargo da ministra da secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Maria do Rosário Nunes.
Dentro do ciclo de debates Direitos Humanos, Justiça e Memória, Ramonet enfatizou que o direito coletivo à memória é consolidado quando se mostra as atrocidades cometidas durante períodos ditatorias. Na sua intervenção, ele traçou um panorama das cerca de 30 comissões da verdade existentes em diferentes partes do mundo. “São organismos oficiais com um tempo determinado de tempo para investigar violações sistemáticas de direitos humanos. Com o inventário dos crimes cometidos, essas comissões publicam informes que contém recomendações e conclusões”, contou Ramonet.
O jornalista destacou a importância do direito à verdade para as sociedades e para as vítimas de genocídios e ditaduras. “Mais da metade das comissões da verdade foram estabelecidas nos últimos 10 anos e muitas outras estão atualmente constituindo-se. O direito à verdade é o novo direito humano que devemos defender. É um direito ao mesmo tempo coletivo e individual. Tanto a vítima ou família quanto a sociedade têm o direito inalienável de saber sobre acontecimentos passados de crimes de ódio”, disse.
Ramonet relatou que o direito à memória começou a ganhar força após o fim dos campos de extermínio de judeus organizados por integrantes do nazismo. “Para que a história não volte a se repetir, comissões da verdade começaram a se multiplicar pelo mundos nos últimos vinte anos. E tudo começou com o campo de extermínio de Auschwitz, um projeto que pretendeu acabar com a comunidade judia na Europa. Nós somos obrigados a recordar aquele genocídio. Honrar a memória é entender o dever que temos que recordar cada vez que haja um extermínio no mundo”, defendeu Ramonet.
"A sociedade não pode seguir como se nada tivesse acontecido. Os assassinatos exigem justiça" | Foto: André Carvalho / Sul21
Depois deste episódio na 2a Guerra Mundial estes tipos de crime de Estado passaram a ser reconhecidos como crimes contra a humanidade. “Os partidários do ocultamento da verdade alegam que comissões da verdade estão abrindo a caixa de pandora, estão confrontando cidadãos de esquerda e de direita. Também afirmam que as vítimas eram terroristas, fizeram atentados. Aqueles que dizem isso não entendem a especificidade dos crimes contra a humanidade”, argumentou Ramonet.
Ramonet também falou do Apartheid na África do Sul e como a reconstituição dos fatos com depoimentos de vítimas foi importante para a transição democrática naquele país. “Muitas vítimas de preconceito deram depoimentos em audiências públicas sobre a situação vivida naquele país. Uma frase de Desmond Tutu que liderou o movimento de transição diz que: ‘Sem perdão não há futuro, sem confissão não pode haver perdão’. A confissão dos que haviam praticado tortura facilitou a reconciliação e a transição democrática neste país. Esse processo foi exemplar e único”, classificou.
Segundo Ramonet, os horrores das ditaduras não são uma mera constatação política, mas sim histórica e a memória, por sua, não é só sentimento é sobretudo o conhecimento de um período histórico. “A memória afeta as vítimas e a sociedade que não pode seguir como se nada tivesse acontecido. Os assassinatos pairam sobre a sociedade e exigem justiça”.
*GilsonSampaio

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