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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, maio 21, 2012

FHC; qual regulação da mídia?


A declaração do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sobre a necessidade de regulação dos meios de comunicação deixou interrogações na cabeça de muita gente.


Em discurso no seminário “Meios de comunicação e democracia na América Latina”, promovido pelo seu instituto, ele disse o seguinte: “não há como regular adequadamente a democracia sem regular adequadamente os meios de comunicação”.

FHC é o maior e mais hábil formulador dos setores políticos, sociais e econômicos que se beneficiaram pelo neoliberalismo a partir de década de 1990. Essas frações de classe não foram derrotadas, são fortes e atuam dentro do governo Dilma.

Diante disso, pipocam algumas questões.

Com o apoio do ex-presidente, será que agora acontece a democratização dos meios de comunicação? Será que existe um consenso maior para essa mudança? A articulação com os setores políticos e econômicos representados por FHC pode dar força a essa luta?

No entanto, uma pergunta é fundamental: qual o conteúdo de uma regulação dos meios de comunicação pactuada com a forças políticas por trás do ex-presidente? O que significa aquele “adequadamente”?

É importante aproveitar as contradições no seio da classe dominante, mas sem ter ilusões de que as mudanças estruturais virão com acordos com quem nunca quis fazê-las.

No curso da nossa história, frações da burguesia aderiram aos setores mais progressistas quando, sem força para impedir mudanças, optaram taticamente por tutelar esse processo.

Florestan Fernandes descreve, na obra clássica A Revolução Burguesa, que no Brasil não houve um colapso do poder oligárquico e a tomada do poder pela burguesia, por exemplo.

A oligarquia entrou em crise, abrindo portas para “o início de uma transição que inaugurava, ainda sob hegemonia da oligarquia, uma recomposição das estruturas de poder, pela qual se configurariam, historicamente, o poder burguês e a dominação burguesa”.

Esse processo histórico é diferente da Revolução Francesa, o principal paradigma das revoluções burguesas, que representou um rompimento com o modelo vigente, com a participação das classes subalternas (a burguesia e a classe trabalhadora), que sustentaram o seu caráter radical.

Foram realizadas transformações profundas na economia (rompimento com o modo de produção feudal), no sistema político (rompimento com o absolutismo, instituição da República e igualdade de todos perante a lei), nas reformas sociais (garantia de direitos) e na construção nacional (constituição do Estado-nação).

No Brasil, não houve uma ruptura da oligarquia com a burguesia para a instauração de um novo modo de produção e de uma nova forma de organização da economia, o que deu características particulares ao nosso modelo de capitalismo, de Estado e de sociedade civil.

Para Florestan, os processos de mudanças sociais no Brasil aconteceram – e acontecem – com o freio de mão puxado, porque em vez de descer a ladeira e realizar as transformações profundas, avançou na medida necessária para garantir a manutenção do poder da classe dominante.

Assim foi na Revolução de 1930 e na redemocratização da década de 1980, quando setores da classe dominante entraram no campo que defendia mudanças progressistas, evitando que se levasse a cabo o potencial dessas transformações e protegendo seus interesses. Um parênteses: a Lei da Anistia é um dos efeitos colaterais desse processo (como igualar torturadores e torturados?).

Na luta pela democratização da comunicação, que para se realizar depende fundamentalmente de colocar limites às Organizações Globo, uma eventual pactuação com setores que giram em torno do FHC pode representar uma regulação que preserve o poder dos oligopólios. Seria uma “regulação conservadora”.

As mudanças sociais, como a democratização das comunicações, só chegarão ao seu termo se houver, fundamentalmente, um novo ciclo de lutas sociais da classe trabalhadora, que transbordem as pautas econômicas e coloquem em disputa dois projetos políticos antagônicos, que implicará enfrentamento com a classe dominante, representada por FHC.


* Igor Felippe Santos é jornalista, editor da Página do MST, pertence ao conselho político do jornal Brasil de Fato e ao conselho do Centro de Estudos Barão de Itararé

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