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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, maio 29, 2012

Comparato: 'Precisamos enxergar nosso passado criminoso'

 

Via RedeBrasilAtual
Professor emérito da Faculdade de Direito da USP vê resquícios da ditadura na universidade e cobra apuração dos elos entre o regime e a instituição
Leandro Melito, da Rádio Brasil Atual
São Paulo – O crescente debate da sociedade brasileira sobre a apuração dos crimes ocorridos durante a ditadura (1964-85) vai aos poucos tomando formato na maior instituição de ensino superior do país, a Universidade de São Paulo (USP). Esta semana, sob as arcadas da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, um ato reuniu professores e juristas para cobrar a investigação dos elos entre a USP e o regime, e um abaixo-assinado passou a circular pela internet para pressionar o reitor, João Grandino Rodas, a autorizar o funcionamento de um colegiado.
Durante o evento, o professor emérito Fábio Konder Comparato recordou as conexões dos 21 anos de repressão com um passado de escravidão legal e todo poder aos detentores da propriedade privada. Depois, conversou rapidamente com os jornalistas, voltando a cobrar a instalação de uma comissão da verdade na USP. “ É preciso que todos nós, brasileiros, enxerguemos o passado criminoso que nós tivemos em vários períodos de nossa história, como, por exemplo, a escravidão. É preciso que nós saibamos enfrentar essa verdade difícil”, afirmou, tecendo ainda críticas ao funcionamento da Comissão Nacional da Verdade, instalada este mês pela presidenta Dilma Rousseff.
Confira a seguir a entrevista.
Como o senhor avalia as possibilidades da Comissão Nacional da Verdade?
A Comissão da Verdade criada pelo governo federal tem um âmbito de atribuições muito amplo, de modo que não caberia simplesmente reunir informações e solicitações em Brasília. Aliás, a Comissão da Verdade nacional só funcionará bem se ela puder contar com o apoio de outras comissões da verdade nos planos estadual e municipal – ou, então, setorial, como é o caso da comissão da verdade da Universidade de São Paulo, que se propõe agora.
Como a comissão na USP deverá trabalhar?
Ela deverá trabalhar com total independência. Os professores, estudantes e funcionários da Universidade de São Paulo devem abrir o passado e verificar tudo aquilo que ocorreu durante o período empresarial militar. É preciso que todos nós, brasileiros, enxerguemos o passado criminoso que nós tivemos em vários períodos de nossa história, como, por exemplo, a escravidão. É preciso que nós saibamos enfrentar essa verdade difícil, que é a verdade do desrespeito sistemático à dignidade da pessoa humana. Quero mais uma vez repetir aquele pensamento de um grande pensador norte-americano: “Aqueles que se recusam a relembrar o passado estão condenados a repeti-lo”.
Quais pontos o senhor destaca que ainda o senhor vê como resquício da ditadura e no que a comissão poderia contribuir para a própria reformulação da gestão da USP?
Um resquício do regime empresarial militar foi indicado no próprio manifesto de criação da Comissão da Verdade na USP. O regime disciplinar da universidade, que continua em vigor, foi estabelecido em 1972. Para os jovens, isso não significa nada; para nós, que vivemos aquele período, significa o período mais sangrento do regime empresarial militar.  Era o governo do presidente Garrastazu Médici.
*GilsonSampaio

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