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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, maio 31, 2012

Verdugos e vítimas

Via PCB 
imagemCrédito: Cid Benjamin
Cid Benjamin
Um país que desconhece o passado está condenado a repetir os erros. Por isso, se a Comissão da Verdade trouxer à luz as entranhas da ditadura militar terá ajudado a consolidar a democracia e a criar anticorpos para que a barbárie não se repita.
No que diz respeito ao resgate da memória estamos muito atrasados em relação aos demais países do Cone Sul. A Comissão da Verdade já deveria ter sido criada. Sarney ou Collor, por terem apoiado a ditadura, não o fariam. Mas Fernando Henrique poderia tê-lo feito. E não há justificativa para a omissão de Lula.
É verdade que, se o Congresso não modificar a Lei da Anistia, os responsáveis por tortura ou assassinato de presos não poderão ser levados aos tribunais. Essa situação resulta da absurda interpretação da Lei da Anistia feita recentemente pelo STF, beneficiando os integrantes do aparelho repressivo. Quando da aprovação da lei, em 1979, militantes que participaram do que os militares chamaram de “crimes de sangue” (ações que resultaram em mortos ou feridos, mesmo que em troca de tiros) foram excluídos da anistia e continuaram na prisão cumprindo suas penas. Mas, desde abril do ano passado, por conta da interpretação do STF, torturadores, estupradores e assassinos de presos políticos estão entre os beneficiados pela anistia. Quem sabe não cometeram “crimes de sangue”...
Para que a comissão cumpra seu papel, uma condição é importante: a abertura dos arquivos dos órgãos das Forças Armadas usados na repressão política. Não pode ser aceita a justificativa de que essa documentação foi queimada. Não se destroem arquivos, salvo em situações extremas, o que não ocorreu no Brasil. E, no caso de documentos oficiais, é preciso haver ordem escrita para a destruição. Onde está essa ordem e quem a deu?
Os arquivos podem mostrar quem torturou e matou, quem deu ordens para tal e onde estão os restos mortais dos “desaparecidos”, além de tornar público quem financiou a repressão. Se, por ora, os responsáveis por esses crimes não podem ser punidos, que, pelo menos, o País saiba seus nomes.
A presidente da República é a comandante-em-chefe das Forças Armadas. Cabe a ela garantir acesso a esses arquivos.
Devem ser conhecidos também os decretos secretos do regime militar. Sim, por estranho que pareça, na ditadura houve decretos que tinham força de lei, mas não eram divulgados. É hora de torná-los públicos.
A comissão é formada por figuras respeitáveis, mas tem apenas dois anos para seu trabalho e precisa ajustar seu foco. Deve apurar os crimes de agentes do Estado e cometidos em seu nome. “Investigar os dois lados”, como quer o ministro do STJ Gilson Dipp, seria algo como defender investigação sobre os “crimes” da Resistência Francesa contra colaboradores dos nazistas.
Seria, também, criminalizar a resistência, mesmo armada, contra um regime ilegítimo – direito reconhecido pela Declaração Universal dos Direitos do Homem.
Isenção não pode ser confundida com equidistância entre verdugos e vítimas.
Cid Benjamin
Jornalista
*GilsonSampaio

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