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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, maio 03, 2012

Kucinski: “Conviver com crimes hediondos é péssimo para o Brasil e para nossa moral”

kucinski“Talvez tenha sido. Talvez não.” Assim o jornalista e escritor Bernardo Kucinski reagiu à informação de que os corpos de sua irmã Ana Rosa Kucinski e seu cunhado Wilson Silva tenham sido incinerados por agentes da ditadura. A notícia está entre as confissões de crimes cometidos pelo aparato repressivo, feitas no livro "Memórias de uma Guerra Suja" pelo ex-delegado Cláudio Guerra, do Departamento de Ordem Política e Social (Dops).
Parte do conteúdo do livro – resultado de depoimentos do ex-delegado aos jornalistas Marcelo Netto e Rogério Medeiros colhidos nos últimos três anos – foi divulgada hoje pelo editor Tales Faria, do portal iG. De acordo com a reportagem, Cláudio Guerra admite sua participação em mais de uma centena de sequestros e assassinatos praticados por milícias comandadas pelos órgãos da repressão.
Entre eles, Guerra revela a incineração dos corpos de pelo menos dez militantes de organizações de resistência à ditadura: João Batista, Joaquim Pires Cerveira, presos na Argentina pela equipe do delegado Sérgio Paranhos Fleury; Ana Rosa Kucinski e Wilson Silva, ela com marcas de violência sexual e ele sem as unhas da mão direita; David Capistrano (“lhe haviam arrancado a mão direita”), João Massena Mello, José Roman e Luiz Ignácio Maranhão Filho, dirigentes do Partido Comunista do Brasil; e Fernando Augusto Santa Cruz Oliveira e Eduardo Collier Filho, militantes da Ação Popular Marxista Leninista (APML).
Ana Rosa e Wilson desapareceram em 22 de abril de 1974. De acordo com um depoimento feito pelo ex-cabo do Exército José Rodrigues Gonçalves à jornalista Mônica Bergamo, para uma reportagem da revista Veja em 1993, teriam sido levados pelo delegado Fleury, passado um dia presos em São Paulo e depois transferidos para Petrópolis, no Rio de Janeiro. "Lá, não devem ter sobrevivido três dias até serem encaminhados à execução", conta Bernardo, que obteve da própria jornalista uma cópia da reportagem, que jamais chegou a ser publicada.
“As informações surgidas hoje coincidem com uma série de outras já reveladas em outras reportagens ou investigações”, diz Bernardo, que desde os anos 1970 procura por informações que levem aos restos mortais da irmã. “Já em 1982, o ex-sargento Marival Dias Chaves havia feito relatos sobre como as pessoas eram presas e encaminhadas para Petrópolis. Só muda um pouco a versão sobre o destino dos cadáveres, mas os pontos podem ser ligados.”
Morbidez trágica
Embora as revelações de Cláudio Guerra tenham nexo, Bernardo Kucinski não acha impossível que o ex-delegado fale em incineração dos corpos com objetivo de “afrouxar” as buscas dos restos mortais dos desaparecidos por seu familiares. O jornalista acredita que o acúmulo de informações alcançadas por essas operações de buscas, combinadas com ações desencadeadas pelo Ministério Público (de investigar crimes não prescritíveis, como de sequestro, nem passíveis de perdão por força da Lei de Anistia), podem contribuir mais para a elucidação das violações praticadas pela repressão.
“Essa Comissão da Verdade instalada pela presidenta Dilma já se auto-impôs limites que podem comprometer a sua eficácia. E isso é grave, porque se a Comissão não chegar a resultados efetivos, pode comprometer o curso das investigações”, afirma Kucinski. “Por isso, acredito mais nas possibilidades da Comissão da Verdade do Senado, nas ações do Ministério Público e nas confissões de agentes envolvidos.”
Ele considera angustiantes as imagens frequentemente relacionadas à barbárie dos anos de chumbo. “As descrições dos crimes ou fotos como aquela do Vlado Herzog (em que o jornalista aparece enforcado) expõem uma morbidez da qual amigos, filhos e netos das vítimas deveriam ser poupados”, revela.
O escritor, um dos idealizadores e colaborador da Revista do Brasil, admite, porém, um inconformismo com a passividade da sociedade. “Além desse livro que é noticiado agora, já foram muitas as informações sobre os crimes hediondos da ditadura. O bastante para degradar a imagem do Brasil. A sociedade saber de tanta coisa e não fazer nada faz um grande mal à nossa moral. Nada justifica tanta omissão.”
No: Rede Brasil Atual
*Ocarcará

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