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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, maio 04, 2012

 

“Não matarás”


O art.º  5º da Lei Mosaica diz claramente: “Não matarás” (Ex 20:13).
Dando uma vista de olhos pelos sites de pendor religioso, todos eles chegam à mesma conclusão: nada de matar o seu semelhante, porque é pecado – seja isso lá o que for. Designadamente a vida humana é o supremo valor, só Deus tem direito sobre a vida humana, etc. Claro que nenhuma fala do Catecismo, mais exactamente do §§2267 : “O ensino tradicional da Igreja não exclui, depois de com provadas cabalmente a identidade e a responsabilidade de culpado, o recurso à pena de morte, se essa for a única via praticável para defender eficazmente a vida humana contra o agressor injusto.” Mas não era aqui que eu queria chegar.
Lendo a Bíblia, não faltam descrições de mortes – ou encomendadas por Deus, ou praticadas para servir Deus, ou apenas em nome de Deus – afinal de contas, vai tudo dar ao mesmo.
Aparentemente, há aqui uma contradição: de um lado, “Não matarás”; do outro, “mata e esfola”. Mas não há contradição nenhuma.
A Bíblia foi escrita por judeus e era, naturalmente, destinada aos judeus. Não é por acaso que os judeus se consideram o “povo eleito”. E é aqui que bate o ponto: os judeus são povo eleito, os outros são gentios. Havia dois tipos de pessoas, os judeus e os gentios, ou “incircuncisos”. Os gentios eram desprezados, eram considerados uma casta inferior. Quando Deus disse “não matarás,” quis dizer – mas nem era preciso explicar, estava implícito – “não matarás… outro judeu”. Ou seja, não há qualquer tipo de contradição.
Só me pergunto é por que razão se continua – quem continua – a adorar um deus que, no fim de contas, despreza tudo o que não seja judeu.
Ou será que, contrariando o que diz a Bíblia, já não há judeus e gentios, e é tudo boa gente?
Ou será que os crentes no Deus de Abraão são todos judeus?
*DiarioAteista

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