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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, maio 12, 2012

Paulo Teixeira: “Praticamente todo o governo de Goiás envolvido com quadrilha do Cachoeira”

Nessa quinta-feira, o delegado da Polícia Federal Matheus Mella Rodrigues, coordenador da Operação Monte Carlo, prestou depoimento na CPI do Cachoeira. Em sessão fechada, durante mais de oito horas, lançou luz sobre as relações da quadrilha do bicheiro Carlinhos Cachoeira com o governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB).
“Praticamente todo o governo de Goiás estava envolvido com a organização criminosa comandada pelo Carlinhos Cachoeira”, relata-nos o deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP), membro da CPI. “Extremamente poderosa, essa quadrilha controlava o aparato repressivo do Estado. Impedia ações contra si e conseguia fazer ações contra os seus concorrentes. Aí, valia tudo, até cárcere privado… Coisa de filme de Hollywood.”
“A organização tinha na sua folha de pagamento o comandante da PM, o comandante da Polícia Civil, o delegado geral, o comandante da PM em Goiânia, o corregedor da Polícia Civil, o diretor do Detran e influenciava o secretário de Segurança Pública”, prossegue Teixeira. “No plano político, influenciava os secretários de Educação, Ciência e Tecnologia e a chefe de gabinete do governador.”
Não à toa o delegado Matheus Mella disse durante a sessão: “Goiás era um Estado todo tomado pela organização criminosa. Era um Estado que estava apodrecido”.
O DEM forçou o senador goiano Demóstenes Torres – “envolvido até à cabeça com a quadrilha de Cachoeira” — a se retirar do partido. E o PSDB, como fica nessa história, já que as evidências das relações íntimas de Perillo e do deputado federal Carlos Alberto Leréia com a quadrilha não param de crescer?
“O PSDB tem tentado ampliar o escopo dessa CPI, de modo que fique tão amplo que resulte no esquecimento do que foi feito”, avalia Teixeira. “A tática de dizer que o Cachoeira financiou a humanidade inteira e, assim, tirar o foco de onde está realmente o problema, vai desgastar ainda mais o PSDB e não vai funcionar. Não foi a humanidade inteira que esteve na folha de pagamentos de Cachoeira. Foram determinados políticos, determinados agentes públicos, determinadas autoridades.”
Viomundo – Deputado, afinal, o que evidenciou o depoimento do delegado que comandou a Operação Monte Carlo?
Paulo Teixeira – Tanto o governo de Goiás como praticamente todo o Estado estavam comprometidos com a organização criminosa do Carlinhos Cachoeira. Era aí que ela tinha grande penetração e presença para exercício da sua atividade principal, que é a organização do bingo eletrônico, bingo de cartela e jogo do bicho.
Ali, ela conseguia ter liberdade não só para explorar esse tipo de atividade como também tinha muita tranqüilidade para exercê-la. Se um concorrente quisesse se instalar lá, não conseguia. E aquele que não pagasse o percentual combinado para a organização, tinha a sua atividade reprimida pela polícia. Todo o aparato repressivo de Goiás estava comprometido com o esquema do Cachoeira.
É uma organização com forte estrutura formal, porque o dinheiro do jogo ilegal é lavado em empresas constituídas em nome de laranjas. Essa organização tinha procuração para operar a conta dessas pessoas.
A partir da mobilização de recursos que o Cachoeira conseguia no estado de Goiás, ele alavancou empresas farmacêuticas, a sociedade com o diretor da Delta do Centro-oeste, a sociedade com o delegado de polícia de uma empresa de segurança chamada Ideal. Alavancou uma empresa de bingo eletrônico sediada nas Ilhas Virgens, fazia negócios na área de imóveis, em Miami, EUA. Portanto, tinha conexão internacional.
Pelo depoimento do delegado Matheus Mella ficou demonstrado também que aconteceram várias reuniões de Carlinhos Cachoeira com o governador Perillo e o senador Demóstenes.
– Quer dizer que o governador e o senador eram íntimos do contraventor?
– Exatamente. O delegado mostrou que o governador e o Demóstenes eram muito íntimos dessa organização criminosa.
O delegado também colocou às claras duas operações financeiras de Carlinhos Cachoeira que chegam próximas ao governador. Uma delas foi a entrega a um de seus assessores de caixa com R$ 500 mil reais, na sede do governo. A outra foi a venda da casa do governador que hoje é de Carlinhos Cachoeira. Segundo o delegado, o próprio Carlinhos Cachoeira participou da compra. Inclusive há cheques de membros da organização para aquisição dessa casa.
Essas operações precisam ter a investigação aprofundada, pois demonstram que, além de dominar o Estado, elas chegam muito perto do governador.
– O senhor se surpreendeu com o esquema do Cachoeira?
– Essa organização criminosa – a sua existência, o seu modus operandi, as pessoas envolvidas – parece coisa de filme de Hollywood.
Ela conseguia mover o Estado para proteger os seus membros. Foi o caso, por exemplo, de uma intervenção do Carlinhos Cachoeira junto ao procurador-geral do Estado de Goiás, pedindo para ele intervir no processo que apurava alguma irregularidade do delegado geral. Há um telefonema em que Cachoeira pede ao Demóstenes para ajudar na transferência de policiais militares presos envolvidos com grupos de extermínio.
Logo, está muito longe do argumento de que era apenas jogo. Praticaram inúmeros crimes: cárcere privado, lavagem de dinheiro, remessa ilegal de dinheiro para o exterior e de corrupção ativa.
Não é uma organização ingênua. É uma instituição que prendia e arrebentava. Tentasse alguém deixar de pagá-los ou tentasse alguém montar um negócio perto, eles usavam o aparelho do Estado para reprimir as pessoas de maneira dura. E assim ficaram durante muitos anos com a proteção desse Estado.
Essa organização criminosa envolveu altas autoridades do Estado, operava com grande capacidade no Legislativo e no Executivo. Foi uma surpresa para todo o país. A maior surpresa foi a de que aquele senador que vivia com dedo em riste em relação ao governo federal, que era o moralizador, está envolvido até a cabeça nesta organização.
– O delegado Matheus Mella apresentou durante o seu depoimento uma lista com os nomes de 87 pessoas citadas em conversas grampeadas do Carlinhos cachoeira. Entre as citadas, a presidenta Dilma. Uma lista como essa não acaba se prestando aos interesses da quadrilha?
– Não sei quem vazou essa lista, mas acho que foi um erro fazê-lo. Essa lista não deveria ter sido divulgada, pois mistura pessoas que foram apenas citadas – a presidenta Dilma, por exemplo, porque um membro da quadrilha sugeria ao senador Demóstenes se aproximar dela para entrar no Palácio do Planalto – com bandidos da quadrilha.
– Mas o senhor não acha que o delegado se equivocou ao divulgar essa lista?
– Era uma sessão secreta. Na minha avaliação, o erro foi de quem a divulgou. De qualquer forma, eu acho que a Polícia Federal terá de fazer uma segunda lista, corrigindo a primeira que saiu ontem na CPI, para separar o joio do trigo. Não podemos nos pautar por essa primeira lista divulgada.
O que nós temos de fazer agora é aprofundar as investigações e dar conta de que a democracia brasileira está fragilizada. O fato de essa organização ter todos esses tentáculos evidencia a fragilidade da democracia brasileira, porque o crime organizado, através de um processo de financiamento, conseguiu ir muito longe.
– O delegado disse se há algum ministro do STF envolvido?
– Ele não fez acusação a membros do STF nem do STJ.
– Mas há pessoas do Judiciário citadas nessas operações?
– Pelo que lemos e ouvimos até agora, servidores do Judiciário de Goiás foram mencionados.
– E a presença na sessão de ontem dos advogados do senador Demóstenes e do Cachoeira, como é que o senhor explica?
– Para nós, realmente foi uma surpresa. Nós não sabíamos da presença deles na sessão.
Agora vamos ter de analisar em que condições eles podem participar, porque o pior dos mundos, depois de todo esse trabalho até aqui, é a gente ter qualquer tipo de nulidade nesse processo.
– Não é um paradoxo a sessão ser fechada à sociedade e aberta aos advogados do senador e do bicheiro?
— Os advogados foram autorizados pelo presidente e pelo relator da CPI, que se escudaram numa decisão do Supremo que permite a presença do advogado de defesa nesses momentos. Apenas faltou a comunicação ao plenário.
Agora sabendo disso, nós temos de definir em que situações eles podem participar – para garantir o exercício do direito pleno de defesa – e em que situações não podem participar – porque isso enfraqueceria o processo. Mas isso é uma coisa que nós vamos tratar na próxima reunião administrativa.
– Em relação a jornalistas e veículos, quais os delegados citou?
– Ele mencionou um jornalista do Correio Braziliense e o Policarpo Jr., da Veja.
No caso da Veja, o delegado mostrou que o Policarpo sabia da relação do Cachoeira com o Demóstenes. Foram sete anos de relação entre o Policarpo e o esquema do Carlinhos Cachoeira. Uma coisa muito preocupante é que essa relação não era apenas de fonte, passou a ser uma relação digamos assim de cumplicidade.
A Veja, via Policarpo, conseguia as informações que lhes interessava, que eram obtidas através de espionagem política… Ao mesmo tempo, a Veja dava à organização o que ela pedia. Por exemplo, a organização estava com dificuldades no Dnit, porque ali os interesses da Delta estavam sendo contrariados. A revista então fez a matéria que derrubou o ministro dos Transportes e o superintendente do Dnit.
– Uma relação de mão dupla?
– Isso mesmo. O Policarpo obtinha informações da organização que eram fruto de espionagem política. Em contrapartida, a Veja dava notícias que interessavam à organização criminosa.
O Policarpo, é bom que se diga, sabia da natureza e da atividade desse grupo criminoso. Tanto que, em 2005, ele foi depor numa Comissão de Ética sobre o caso do deputado André Luiz. Nessa Comissão de Ética, ele disse que o deputado André Luiz tinha tentado extorquir o Cachoeira. O Policarpo apresentou inclusive gravações, o que demonstra que, de longa data, ele conhecia a atividade que o Cachoeira tinha. Foi um casamento de longa duração que só acaba agora, espero eu, com a elucidação desses fatos.
– O delegado mencionou o número de telefonemas entre o esquema do Cachoeira e Policarpo?
– Disse que foram 42 na Operação Monte Carlo.
– E somando os telefonemas da Monte Carlo com os da Vegas?
– Eu não tenho esse número.
– O Policarpo vai ser chamado a depor na CPI?
– Na minha opinião, ele extrapolou a sua atividade profissional. Ele ficou muito além do que é permitido. E nós temos de fazer a defesa do sistema democrático. Ele impõe limites ao político, ao empresário e ao jornalista. Liberdade de imprensa não é liberdade de prática criminosa. Liberdade de imprensa é uma luta pela liberdade e não pela prática do ilícito.
Conceição Lemes
No Viomundo

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