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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista
segunda-feira, maio 03, 2010
Aloizio Mercadante diz:
Por: Aloizio Mercadante | 03.05.2010
Certa vez, o então ministro de Economia da Argentina, Domingo Cavallo, afirmou que a tarifa externa comum do Mercosul era uma tontería, uma bobagem.
Pegou mal. Afinal, o Mercosul é o eixo estruturante das relações Brasil-Argentina. Cavallo expressava a opinião dos conservadores de seu país. Para eles, que apostavam nas “relações carnais” com os EUA, o único importante era a integração com os países mais desenvolvidos. Sonhavam com a Alca. O Mercosul era visto por eles como estorvo.
Cavallo não conseguiu seu intento de reduzir o Mercosul a uma mera área de livre comércio, mas deixou insuspeitados discípulos no Brasil.
Há poucos dias, o pré-candidato José Serra, “mercocético” histórico, afirmou que o Mercosul é uma “farsa”, um peso que atrapalha o Brasil. Pegou malíssimo. O “Clarín”, importante jornal argentino, publicou matérias contestando as novas versões das teses “cavallianas”.
Não falta razão a esse jornal. Se há um país que não pode reclamar do Mercosul é o Brasil. Entre 2003 e 2008, nossas exportações para esse bloco foram multiplicadas por 6,6, tendo passado de US$ 3,3 bilhões para US$ 21,7 bilhões. No mesmo período, as nossas exportações totais foram multiplicadas por 3,3. Ou seja: as exportações para o Mercosul cresceram o dobro da média global brasileira.
Ademais, nesse período acumulamos um superávit intrabloco de US$ 23,8 bilhões. Mas a importância dessa corrente regional de comércio se torna mais evidente quando analisamos sua composição. Em 2008, exportamos US$ 21,7 bilhões para o Mercosul. Desse total, US$ 20 bilhões foram de manufaturados. Assim, 92% das nossas exportações intrabloco são de bens de alto valor agregado, o que beneficia muito São Paulo, estado industrial do pré-candidato. Em 2009, ano de crise, São Paulo teve déficit de US$ 8 bilhões, mas obteve quase US$ 4 bilhões de superávit com a “farsa”.
A tese de que o Mercosul “atrapalha” a conquista de novos mercados não tem sustentação nos dados empíricos.
Como assinalamos, no período considerado nossas exportações foram multiplicadas por 3,3. Já exportações mundiais foram multiplicadas por um fator de “apenas” 2,4. As exportações brasileiras cresceram, assim, bem acima da média mundial. Isso aconteceu graças a uma competente política de comércio exterior que apostou na integração regional e na diversificação das parcerias, particularmente no eixo Sul-Sul. É provável, no entanto, que o pré-candidato ainda esteja raciocinando com os dados do governo ao qual serviu. Naquela época, o Brasil realmente tinha grandes dificuldades para conquistar mercados e acumulava pesados déficits.
Só com o Mercosul, acumulamos ao redor de US$ 5,5 bilhões de déficit, entre 1995 e 2002.
É claro que a união aduaneira torna mais complexas as negociações com outros países. Porém, ela também gera grande vantagem: dá mais peso a países que, individualmente, teriam condições menos vantajosas nas negociações.
O exemplo da União Europeia, que inspira o Mercosul, é muito eloquente. Além disso, no governo Lula o bloco se expandiu. Firmamos um acordo para incluir os países andinos como membros-associados do bloco e iniciamos o processo de inclusão da Venezuela como membro pleno. Acabamos de promulgar o acordo de livre comércio entre o Mercosul e Israel.
Outros estão em fase adiantada de negociação.
Só não conseguimos fechar ainda o acordo com a UE porque nesse bloco há países que resistem a abrir seu mercado agrícola. A culpa não é do Mercosul.
Além da importância econômicocomercial, o Mercosul e a integração regional têm grande relevância política e estratégica para o Brasil. É graças, em boa parte, a essa integração que o nosso país possui hoje protagonismo internacional inédito em sua história. Assim sendo, atirar contra o Mercosul, bloco que implica compromisso de longo prazo de Estados, é dar um tiro no pé. É tontería sem nenhum substrato racional e empírico. Mesmo em ano eleitoral, pega mal. Para o bem do país, que precisa de um entorno próspero e estável, esperamos que as tensões geradas pela declaração atrapalhada possam logo ser desanuviadas.
Tiro no pé dói.
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