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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista
quarta-feira, maio 19, 2010
EUA: Um presidente com poder em declínio
EUA: Um presidente com poder em declínio
RICHARD COHEN – The Washington Post –
No início do mês, o presidente Barack Obama foi à Louisiana para verificar os estragos provocados pela explosão de uma plataforma de petróleo da British Petroleum, manter as equipes de limpeza na ponta dos cascos — nada de dizer “ei, vocês estão fazendo um trabalho dos diabos”, como o ex-presidente Bush — e mostrar aos estados na costa do Golfo e ao resto do país sua preocupação.
No dia 3 de maio, o site do “Washington Post” na internet colocou a notícia precisamente no lugar adequado — enterrada no meio da página. Com isto queria dizer que o presidente dos Estados Unidos, neste caso, não tinha muito a fazer.
Todo mundo sabia que Obama estava meramente mostrando que não é George W. Bush. Ele não iria ignorar uma calamidade, especialmente uma que afetasse Nova Orleans e a costa do Golfo. Por outro lado, todos sabíamos que ele não poderia reverter os ventos nem arrolhar o vazamento. Na verdade, ele podia fazer muito pouco, a não ser mostrar sua preocupação.
Foi um momento simbólico — a maré de óleo ameaçando a costa, movendose a seu bel-prazer, da mesma forma como parecem estar os fatos pelo mundo. Estamos acostumados a presidentes americanos serem supremamente importantes, quando menos pela razão de que comandam a força militar mais poderosa do mundo. Mas nós devemos avaliar também que a importância do presidente, em termos de ser capaz de influenciar os fatos, está declinando.
No Oriente Médio, nada que Obama tentou tem feito muita diferença.
Na Europa, o euro cambaleia. Crítica como é esta moeda, ela é muito menos importante que o conceito de integração europeia sobre a qual está baseada. Nós tendemos a esquecer que a Europa é a sede de guerras horrorosas — duas vezes no século passado nós estivemos envolvidos. E se você incluir a Rússia como parte da Europa, como alguns russos insistem em fazer, teríamos que contar a Guerra Fria também. Quanto à Rússia, ela se lixa para as queixas americanas e se move progressivamente para trás — não é uma democracia europeia, mas outra coisa.
Na periferia da Europa está a Turquia, lutando para restabelecer algo da influência que o Império Otomano teve um dia na região. Ela pode estar se tornando também um Estado mais islâmico, possivelmente após concluir que cem anos do secularismo de Mustafa Kemal Ataturk foram suficientes.
Qualquer que seja o caso, não há muito o que possamos fazer sobre a Turquia. Ela não precisa mais dos Estados Unidos como um aliado na Guerra Fria, e até mesmo bloqueou nosso acesso militar ao Iraque no início da guerra. A declinante influência americana do presente não pode mais conter a influência do passado otomano. Israel, cuidado.
A China também está fora de nosso alcance. Em alguns casos, precisamos mais dela do que ela de nós. Devemos dinheiro a Pequim. Compramos produtos da China. Respeitamos sua força crescente. Lamentamos nosso poder decrescente. Ocultamos nossa preocupação com os direitos humanos. Somos uma superpotência.
Mas contra o quê? Os conser vadores americanos olham as derrotas e os desapontamentos e fulminam Obama. Chamamno de fraco e inepto — e certamente, em algumas áreas, ele tem sido ambas as coisas. Mas estão errados em pensar que outra pessoa faria muita diferença. Os tempos mudaram. O poder dos Estados Unidos está reduzido — em termos relativos, mas em termos absolutos também. Como uma superpotência, os Estados Unidos invadiram o Iraque. Saddam é poeira. Mas esta guerra “rápida” está agora em seu oitavo ano.
Em 1987, Paul Kennedy publicou “Ascensão e queda das grandes potências”.
Isto criou uma zoeira porque, entre outras coisas, previu o declínio relativo e absoluto dos Estados Unidos. Kennedy atribuiu isto à sobrecarga dos militares e aos gastos do governo — problemas que desde então passaram de teóricos a agudos.
Fazemos mais guerras do que nosso dinheiro permite.
A necessidade de mencionar Kennedy magoa. Sugere inevitabilidade, como se os Estados Unidos fossem o Império Romano ou o Britânico, e como se o passado estivesse destinado a se repetir no futuro. Podemos gastar menos, aumentar impostos, renunciar a guerras que escolhemos fazer, reformar o Congresso e parar de confundir a fama que cerca a Presidência com poder real.
Obama presidindo o “impresidível”, tomando conta do incompreensível, toda a panóplia do poder sem sentido — Air Force One, Marine One, a limusine, a escolta de motociclistas, a maleta com os códigos nucleares —, tudo significando, no caso, um homem investindo contra o mar, uma lição sombria para todos nós. O vazamento de óleo continua.
A guerra continua. A dívida aumenta — e então, para muitos de nós, aumenta também a recusa.
Postado por Luis Favre
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