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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista
quarta-feira, maio 19, 2010
Le Monde: O Sul emergente abre alas e pede passagem
19 de maio de 2010 às 18:42
Le Monde: O Sul emergente abre alas e pede passagem
Irã nuclear: o Sul emergente abre alas e pede passagem, na negociação
19/5/2010, “Opinion”, Le Monde, Paris
http://www.lemonde.fr/opinions/article/2010/05/19/nucleaire-iranien-le-sud-emergent-veut-sa-place-dans-la-negociation_1353888_3232.html
Tradução de Caia Fittipaldi
O Sul emergente já aparecera antes, em cena que provocou frisson e alarido no palco internacional, em domínios do meio ambiente e do comércio. Essa semana, inaugura nova etapa, importante sinal de o quanto aumenta o poder desses países.
Ei-los ativos em terreno que, até agora, permanecia como quase-monopólio das tradicionais “grandes potências”: a proliferação nuclear no Oriente Médio – ou, em resumo, a relação de forças numa região-chave para Europa e Estados Unidos.
Os livros de História guardarão a data – 2ª-feira, 17 de maio –, em que Brasil e Turquia apresentaram à ONU acordo negociado com Teerã, sobre uma das facetas da questão nuclear iraniana.
Pense-se o que se pensar sobre o texto que resultou dessa mediação turco-brasileira, a própria mediação, em estratégia de mostrar fato consumado – não foi mediação solicitada –, muda consideravelmente o quadro mundial. Ela quebra de facto o domínio até agora reservado aos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU: China, EUA, França, Grã-Bretanha e Rússia.
Endereçada exatamente a esses, a mensagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do primeiro-ministro Recep Tayyip Erdogan é clara: nem pensem, em 2010, em porem-se a reinar só vocês, sobre uma ordem internacional na qual o peso das nações evolui a favor de países como os nossos (o Sul emergente estende-se do Egito à África do Sul, da Nigéria à Indonésia).
AMBIÇÕES POLÍTICAS LEGÍTIMAS
Para os que ainda não entenderam: Brasil e Turquia, segunda-feira passada, puseram os pontos nos “is”. São membros, sim, do grupo dito “5 +1”, ou “os Cinco” que, na ONU, discute a questão nuclear iraniana.
O grupo é constituído dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança acima citados, mais a Alemanha. Os cinco países acusam o Irã de descumprir compromissos internacionais e de ignorar várias Resoluções da ONU. Suspeitam que Teerã mantenha um programa de enriquecimento de urânio que parece ter uma única finalidade: militar.
As ambições políticas dos países do Sul são legítimas. Têm de ser acolhidas positivamente. Mas, no caso do dossiê iraniano, a desconfiança dos Cinco tem fundamento. Evidentemente, todos saudaram a iniciativa turco-brasileira como “um passo na direção certa”.
Simultaneamente, para marcar a desconfiança quanto à substância do acordo anunciado em Teerã, os Cinco já avisaram, na 3ª-feira, que manterão a pressão sobre o Irã. Trabalham agora num projeto de Resolução que prevê novas sanções contra a República Islâmica.
Têm razão. O documento turco-brasileiro propõe que uma parte – apenas uma parte – do urânio iraniano seja armazenada no exterior, em troca de combustível enriquecido só aproveitável para uso civil. Assim, não se impede o Irã de produzir o urânio mais potente de que carece para produzir arma nuclear.
Os iranianos já disseram, ontem: não pensam em suspender seu próprio programa de enriquecimento de urânio… Têm razão, pois, os Cinco, que exigem mais.
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