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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista
terça-feira, maio 11, 2010
O livro que relata as raízes do golpismo da nossa mídia
"Minha razão de viver", de Samuel Wainer, está sendo violentado
Recentemente eu reli o ótimo livro do jornalista Samuel Wainer, "Minha razão de viver". Há semanas que estava para recomendá-lo aos estudantes de Comunicação, para que conheçam um grande sujeito, um profissional exemplar e um jornalista autodidata que foi protagonista de acontecimentos cruciais da história brasuca. Resolvi fazê-lo no dia do lançamento do jornal web Sul21. Vejo que o S21 tem alguma semelhança com o jornalismo praticado pela Última Hora, já disse isso aqui, outro dia, guardadas as distâncias de tempo, veículo e tamanho do País.
Hoje, entretanto, quando comecei esse texto, fui levado por alguma intuição para uma pesquisa breve ao Google com o objetivo de verificar a quantas edições anda o livro de Wainer (a minha é a 15ª edição, 1993, editora Record). Resultado: "Minha razão de viver" está sendo vendido na primeira edição da Editora Planeta Brasil, segundo o portal da Livraria Cultura.
Vejam que há um corte epistemológico aí, como diriam os althusserianos, um gap. Para piorar, a sinopse que a Cultura estampa na página de oferta do livro de Wainer informa o seguinte:
"O relançamento de 'Minha razão de viver' traz um clássico enriquecido por requintes gráficos, documentos inéditos e imagens que virtualmente falam. As informações complementares invadem labirintos e porões do esquema de arrecadação de dinheiro destinado a financiar o contragolpe preventivo rascunhado entre meados de 1963 e abril de 1964 por partidários do presidente João Goulart. Wainer foi testemunha privilegiada e, com freqüência, protagonista dos preparativos para a ação abortada por inimigos mais ágeis."
Observem a expressão "contragolpe preventivo rascunhado [...] em abril de 1964". Quer dizer, a obra do combativo jornalista - leal a vida toda a Getúlio Vargas - Samuel Wainer está sendo vendida com o sinal trocado. Confesso que não li essa edição bastarda. Mas, é possível sentir o cheiro da traição à obra original do criador de Última Hora - o único jornal diário popular, de esquerda, que o Brasil já teve. UH que foi objeto de todo o ódio destilado pelo golpista em tempo integral, Carlos Lacerda. Quem usa a expressão "contragolpe" para designar o golpe civil-militar de 1964 são os próprios golpistas de abril de 1964. É um eufemismo. Eles não admitem que deram um golpe, deram, segundo eles próprios, um "contragolpe contra Jango". Mas estão devendo até hoje as provas que havia de fato um golpe em marcha a ser perpetrado pelos arremedos de partidos que eram o velho PTB e o então PCB. Tanto havia golpe de esquerda no Brasil em 1964, quanto havia armas de destruição em massa no Iraque de Sadam Hussein. Álibis para rasgar a Constituição, eufemismos para isentar golpistas da alcunha de "golpistas".
Fica, pois, o registro da violência que estão fazendo com a memória de Samuel Wainer, e sobretudo com um documento importante para entender parte da história do Brasil, para saber sobre a canalha que dirigia os grandes jornais brasileiros, como se formaram fortunas em nome da consigna "imprensa livre". Um documento inestimável para conhecer o entreguismo e a baixa estatura moral de sujeitos como Carlos Lacerda, Assis Chateaubriand, David Nasser e muitos outros, chamados por Wainer de "barões da imprensa brasileira".
Quem lê "Minha razão de viver" - além de se deliciar com a prosa fácil, bem escrita e fluida - vai entender melhor os motivos de o PIG ser o que é, hoje. Todos irão conhecer o verdadeiro significado do vocábulo "golpista" - uma tradição da imprensa oligárquica brasileira.
Mas, atenção: compre o livro em um sebo, edição antiga, da Record. A atual é suspeita e muito cara.
Cristovão Feil
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