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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista
domingo, maio 16, 2010
O Mino
Um jornalista de(a) Verdade...
Provocando Mino Carta
André Pereira narra Encontros do Professor, de Ruy Carlos Ostermann, com o editor de Carta Capital
André Pereira no Sul21
Lula, o presidente mais amado da história da Nação, é simplesmente um gênio político, dotado de uma sabedoria inata. Esta definição, adjetivada e superlativa, poderia nascer da boca de um assessor presidencial “baba-ovos” - para ficar na contundência verbal do personagem a seguir aludido. Ou ser gestada pela credulidade de uma velhinha do agreste de Garanhuns. Ou, ainda, ser incorporada ao jargão dos marqueteiros em ritmo de campanha eleitoral para 2010. Mas, não: a frase é da autoria de um dos jornalistas mais respeitados do país, com reconhecimento internacional e dono de um acúmulo profissional invejável que inclui, no mais recente escaninho curricular, a revista Carta Capital, de leitura imprescindível como diz seu anfitrião, Ruy Carlos Ostermann, no "Encontros com o professor", em uma terça-feira de março, no StúdioClio inteiramente lotado.
Mino Carta, o jornalista genovês de 76 anos que adotou o Brasil desde os 14 anos, define Lula como "o presidente mais amado da história da Nação. É simplesmente um gênio político, dotado de uma sabedoria inata que foi sendo aperfeiçoada ao longo da sua trajetória de vida". Mino considera que a eleição de um ex-metalúrgico, um ex-operário que se identifica com o povo, para presidente do Brasil, é um divisor de águas na história de um país como o nosso que padece, entre outros males de origem, de uma colonização feita por predadores e de ostentar o título inglório de a última nação a declarar o fim da escravidão.
Sentado sobre uma das pernas, repuxando a calça cinza de bainha italiana e deixando à mostra botinas marrons de presumíveis origens itálicas que servem sobretudo para alimentar a fama de homem elegante que acompanha suas descrições pessoais, dividindo duas garrafas da cerveja artesanal Coruja com seu entrevistador, no palco, Mino foi aplaudido de pé, por uns cinco minutos, ao final de quase duas horas de descontraída conversa que contemplou algumas indagações do público mas abrigou, sobretudo, provocações certeiras do professor decidido a desvendar uma personalidade jornalística única na mídia atual.
Único mesmo? "Outros jornalistas talvez não tiveram as oportunidades que eu tive", especula. "Ou conquistei as oportunidades que tive porque sou como sou", filosofa ele, quando Ruy indaga se haveriam outros jornalistas da estirpe rebelada dele trafegando na imprensa nacional, do tipo que não manda recados para assumir suas posições, normalmente opostas as ideais camuflados da grande imprensa, da grande midia que ele define como continuadamente golpista e a favor dos senhores do poder, das elites.
Para Mino, uma das geniais percepções de Lula está na proposta de criar um clima plebiscitário para o embate eleitoral deste ano, com Dilma Rousseff encarnando sua continuidade para opor-se ao candidato José Serra travestido de retrocesso tucano vinculado a Fernando Henrique Cardoso. "Em todos os aspectos que se for comparar, o governo de Lula é infinitamente superior ao de Fernando Henrique", Mino não tem a menor dúvida. "O governo de Fernando Henrique levou o Brasil à bancarrota, quebrou o país, deixando um rombo enorme para Lula administrar."
Mino se orgulha de ter percebido a diferencial capacidade política do líder sindical antes da maioria dos colegas, mais precisamente há 33 anos, quando colocou o operário Lula estrelando reportagem na capa da revista IstoÉ.
Em 2002, quando Lula venceu pela primeira vez o pleito presidencial, a população queria mudanças e o candidato petista soube interpretar o cenário forjado pelo anseio e pela sensibilidade geral. Hoje, ao contrário, o brasileiro quer continuidade das políticas de sucesso praticadas nos oito anos de gestão lulista. Nem tanto pelo bem sucedido programa Bolsa Família como querem alguns analistas, mas acima de tudo, pela abertura de crédito que permitiu à população ampliar o poder de compra. "O Bolsa Família abarca uma realidade que me entristece, assim como me entristece ver uma favela, ver a miséria. Por isso me cheira um pouco a algo como esmola", diz ele, assinalando que faltou audácia a Lula e que muito ainda precisa ser feito no Brasil para enfrentar seu mais agudo e violento problema: a má distribuição de renda. Segundo ele, "conquistar a liberdade não é importante se não existir a igualdade".
Mino acredita que o golpe de 1964 impôs danos terríveis, que o Brasil ainda não compensou. "Naqueles idos formava-se um proletário que se robustecia e poderia ter resultado em uma classe econômica e social que faria grande diferença no país". Ele também minimiza o protagonismo militar no episódio. "Quem deu o golpe foram os donos do poder, as elites; os milicos fizeram o trabalho sujo".
Conhecido pelos textos primorosos e pelo nível superior dos veículos impressos que criou (Veja, IstoÉ, Senhor, Quatro Rodas, Jornal da Tarde, Jornal da República, Carta Capital), Mimo fez TV, também, mas como relembrou, sofreu contrariedades. Um desses programa, da extinta TV Tupi, sequer foi ao ar, proibido no nascedouro pelo então ministro da Justiça, Armando Falcão, que considerou uma discussão sobre o machismo, atentatória à moral e aos bons costumes da ditadura brasileira. Para diversão da platéia, ele lista entre os convidados do debate o que classifica como atores garanhões do cinema pornô tupiniquim como David Cardoso e Jece Valadão.O outro programa sobreviveu por alguns meses.
E a terceira experiência televisa, "Jogo de Carta", exibido na antiga TV Record, este, sim, vingou por três anos em sua pretensão de fazer a defesa disfarçada de Tancredo Neves contra o indigitado Paulo Maluf. Até que o governo incomodou demais os proprietários da família de Paulo Machado de Carvalho (aquele mesmo bonachão Marechal do Bicampeonato Brasileiro de Futebol) pressionando e pedindo sua cabeça.
Mino incomoda-se com a pergunta de um estudante de Jornalismo que, na platéia, menciona, de passagem, sua polêmica demissão da revista Veja. O menino quer sua apreciação sobre outro tema que se perde porque Mino fixa este episódio e ressalta definitivo: "Eu me demiti, não fui demitido", diz para repetir, várias vezes depois, como se sua honra profissional estivesse em jogo. Narra, indignado, que contou sua saída da revista em uma entrevista de quatro horas de duração para o autor do livro "Notícias do Planalto", Mario Sérgio Conti, que, entretanto, cunhou a versão indesejável do pé no traseiro na obra que ele trata como abominável e hediondo.
Na autoconcepção pública que ele próprio divulga, Mino é "muito chato" porque impõe um relacionamento difícil a quem está nas suas cercanias: perde o controle, costuma gritar, esbraveja e gesticula, teatraliza colérico e sanguíneo. "Mas me recomponho rapidamente. Só gostaria de ser mais sábio e sereno", afirma, sem convencer muito quem ouve recortes de sua preciosa jornada jornalística, empreendida ainda hoje com a companhia da sua inseparável máquina de escrever Olivetti onde diz que batuca sem grande habilidade pois, às vezes,os dedos intrometem-se entre as teclas, mas segue fidelíssimo a uma imperturbável e intransferível missão de vida: "No final das contas isto é bem simples: eu só quero mesmo ser um jornalista de verdade".
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