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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, maio 13, 2010

Relações externas: Presidente brasileiro chega hoje a Moscou para consolidar parceria


Raymundo Costa, de Moscou – VALOR

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarca no fim da tarde de hoje em Moscou sob a expectativa dos russos em relação à etapa seguinte de sua viagem, o Irã. O Kremlin considera que Lula tem capacidade de interlocução e credibilidade para arrancar um compromisso dos iranianos no sentido da retomada do diálogo sobre seu programa nuclear. O Irã transformou-se num tema central de uma viagem mais de consolidação de uma parceria estratégica que por novos acordos. Uma boa notícia: a partir de junho acaba a exigência da concessão de vistos de curto prazo (90 dias) para viajantes russos e brasileiros.

Coincidência ou não, o presidente russo Dimitriy Medvedev encontra-se com Lula depois de viagem que fez ontem à Turquia, país que o Irã considera “confiável”, assim como o Brasil, e que também defende a retomada das negociações com os iranianos. Segundo o embaixador brasileiro em Moscou, Carlos Antonio da Rocha Paranhos, muito embora algumas autoridades tenham dito que a Rússia pode vir a apoiar a ampliação das sanções, o governo “sempre assinalou que não estão esgotadas todas as possibilidades de diálogo com o Irã”. Os russos dizem que sanções não são eficazes.

Foto Destaque

“Ele estão estudando o quadro, avaliando a evolução da posição iraniana e têm insistido muito nessa questão de que não estão esgotadas todas as possibilidades de algum tipo de entendimento com a parte iraniana”, disse o embaixador Paranhos.

A visita de Lula a Moscou ocorre um mês depois da segunda conferência de líderes dos países do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), realizada em Brasília. O desembarque de Lula em Moscou é precedido de recados elogiosos do presidente Medvedev. De acordo com o Kremlin, a Rússia vê atualmente o Brasil como um interlocutor privilegiado da Rússia em todas as questões de política internacional, regionais e naquelas mais “candentes da realidade internacional”, como é o caso do Irã. Em mensagem enviada ao Itamaraty, Medvedev mandou dizer que quer ouvir Lula, a quem considera mais que um líder regional, mas “líder internacional, de grande carisma”, com o qual tem uma “boa química pessoal”.

“Eles (os russos) têm muita expectativa em relação a essa viagem que o presidente Lula vai fazer a Teerã porque consideram que ele tem capacidade de interlocução, tem credibilidade para tentar alcançar algum compromisso, da parte do lado iraniano, que permita uma retomada de um diálogo em torno do programa nuclear”, disse o embaixador Paranhos em conversa com jornalistas, ontem, na sede da representação brasileira em Moscou.

Depois do encontro com Medvedev, Lula terá uma reunião de trabalho com o primeiro-ministro Vladimir Putin. Além do Plano de Ação da Parceria Estratégica e dos acordos para dinamizar as relações comerciais a aliança tecnológica, os dois países devem “debater as possibilidades de adoção de mecanismo de pagamento em moedas locais para o comércio bilateral”.

A meta de Brasil e Rússia para 2010 era chegar a um fluxo de comércio de US$ 10 bilhões, mas a crise financeira internacional interrompeu o crescente comércio que caiu de US$ 8 bilhões para US$ 4,28 bilhões de 2008 para 2009. Ainda assim, a diplomacia brasileira vê razões para otimismo: no primeiro trimestre de 2010 o comércio Brasil-Rússia já bateu a casa do US$ 1,2 bilhão. Talvez não repita 2008, mas pode chegar perto.

Lula participará do Fórum Comercial Brasil-Rússia, a ser realizado amanhã. Para o Itamaraty o mais importante da incursão brasileira no antigo coração do comunismo é a qualidade, em vez da quantidade. A Rússia é de longe o maior e mais importante mercado para o segmento da carne brasileira, mas também já recebe investimentos brasileiros. A 50 quilômetros da capital, o grupo JBS toca um investimento, em associação com um grupo italiano, de fabricação de hambúrgueres e derivados de carne para toda a rede McDonald’s, um dos símbolos do capitalismo que invadiram a Rússia.

A Sadia teve um investimento de industrialização de frangos em Moscou, mas vendeu sua parte ao sócio russo. Mas permaneceu com a Perdigão sob a marca Brazil Foods. A Perdigão, aliás, beneficiou-se do sucesso que a novela “Escrava Isaura” fez na Rússia, nos anos 70, para lançar produtos com o nome de “Fazenda”, palavra que popularizou-se no país como a atriz Lucélia Santos, protagonista da história. Os russos ricos também passaram a chamar suas dachas de “fazenda”. A Ambev e a Marcopolo, que fabrica carrocerias, são duas outras logomarcas brasileiras no cenário de Moscou. “A Rússia, num certo sentido, descobriu o Brasil”, diz Paranhos.

A Gazprom quer montar um escritório no Rio e está interessada na camada pré-sal, expert que é na liquefação de gás em alto mar e no transporte para o continente. Mas a “química” da petrolífera russa com a Petrobras não é boa, segundo apurou o Valor. Há conversas no campo da energia nuclear – a Rússia quer vender usinas de pequeno porte. E na área espacial: Moscou desenvolveu um novo sistema de navegação global por satélite que pode ser tocado em parceria com o Brasil – a fabricação dos monitores de vídeo, por exemplo.

Os russos gostariam de fazer uma parceria para a fabricação de caças de quinta geração, mas esses planos foram comprometidos com a exclusão do Sukhoi da “short list” do caça que será escolhido pelo governo brasileiro parar a FAB. Mas estão previstos acordos na área da defesa. E a inevitável discussão sobre a reforma da ONU e de seu Conselho de Segurança, no qual Lula aspira um assento permanente.
Postado por Luis Favre

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