Sobreviventes de Hiroshima estigmatizados no Japão
As consequências do bombardeio e da exclusão social que duraram anos ainda perduram para sobreviventes e descendentes da tragédia. Além de doenças relacionadas com a radiação, como câncer e estresse, o preconceito é outra chaga terrível.
Toshiko só recentemente se atreve a falar em público sobre sua vida, 60 anos após o ocorrido. “Ficava aterrorizada ao falar de pé, diante do público, mas também foi uma experiência pessoal importante”, disse a mulher de 66 anos, na conferência sobre o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TPN), realizada em maio em Nova York. Junto a ela havia outros hibakusha, sobreviventes da bomba atômica. Seus relatos sobre doenças e tratamentos dolorosos continuam sendo uma prova poderosa da devastação causada por essa arma letal.
Seu sofrimento não foi apenas pelas queimaduras da radiação e os consequentes problemas médicos, mas pela estigmatização e discriminação que sofrem os sobreviventes e suas famílias. “Somos evitados porque estávamos contaminados”, contou Toshiko. Os filhos dos sobreviventes também são estigmatizados. “Contei o quanto é horrível ser uma hibakusha”, relatou Toshiko, que agora vive com o marido e a filha em Saitama, bairro da zona oeste de Tóquio.
“Minha mãe nunca me falou daquela época porque não gostava de recordar o prolongado sofrimento que viveram ela, minha irmã e toda a vizinhança. A radiação as afetou muito, têm queimaduras que nunca se curaram”, acrescentou. Quando Toshiko se casou, seu marido a fez prometer manter segredo de sua condição para não serem discriminados. “Respeitei seu desejo. Foi há dois anos que decidi falar e estou contente por isso. Agora me dou conta da importância que tem minha história para o mundo”, acrescentou.
“Sabia que chegava a eles”, disse Hiroshi Nakamura, de 67 anos, que falou na mesma conferência que Toshiko. “Minha mensagem sobre os horrores da bomba atômica teve muito mais efeito do que muitos livros e filmes”, afirmou. Os relatos dos sobreviventes não serão sobre a catástrofe propriamente dita porque eram muito jovens, mas os ativistas afirmam que realçam as consequências do bombardeio e da exclusão social que duraram anos. “Pessoas como Toshiko são fundamentais para que o mundo aprenda a lição de Hiroshima”, disse o professor Mitsuo Okamoto, responsável pelo Centro para a Paz e a Não Violência, de Hiroshima. “Seus relatos são uma continuação do trabalho desempenhado pela geração mais velha de sobreviventes, cujas narrações daquele dia fatídico impulsionaram ações globais pela paz”, acrescentou.
Segundo as estatísticas, são 162 mil sobreviventes reconhecidos oficialmente, mais de 60% têm entre 70 e 80 anos, e sofrem de doenças relacionadas com a radiação, como câncer e estresse. A bomba de urânio, lançada por aviões norte-americanos sobre Hiroshima, criou uma enorme nuvem de radiação na forma de cogumelo e deixou 140 mil mortos, 40% da população da cidade. O número de vítimas em Nagasaki foi semelhante, 73.884 desapareceram na hora e outras 74.909 ficaram feridas.
Dos 1.500 hibakusha, de aproximadamente 60 anos, entrevistados para uma pesquisa realizada em julho pelo jornal Asahi, 61% disseram que começaram a se abrir e contar suas histórias depois de 2005. Muitos analistas afirmam que o prolongado silêncio se deve ao estigma social e ao medo de não poder casar porque numerosos japoneses acreditam que a saúde dos filhos e netos de hibakusha não é boa. Hiroshi, de fato, compara sua situação com a de uma condenação à morte porque não sabe quando terá diagnosticada uma doença relacionada com a radiação.
Este ano, Hiroshi se sente animado com a notícia de que o secretário-geral da Organização das Nações Unidas, Ban Ki-moon, decidiu participar da cerimônia de 65 anos do lançamento da bomba atômica sobre Hiroshima. Também participarão, pela primeira vez, representantes dos Estados Unidos, da França e da Grã-Bretanha. “Nos dá uma grande força para seguir adiante”, disse Hiroshi, que perdeu sua mãe para o câncer.
A reação de seus compatriotas é um dos grandes obstáculos a ser vencido pelos hibakusha. Sobreviventes e ativistas se queixam de que os livros não fornecem informação suficiente sobre o conflito no Pacífico nem sobre a Segunda Guerra Mundial, em especial sobre o papel do Japão e sua cruel colonização dos países da região. “Muitas vezes sinto que os japoneses acreditam que fomos um aborrecimento porque sempre revivemos o papel do Japão na Segunda Guerra Mundial. É triste, “lamentou Toshiko. “Mas, continuaremos falando”, finalizou.
revistaforum
Os 65 anos da bomba radioativa, estúpida e inválida
Nos dias 6 de agosto e 9 de agosto de 1945, os Estados Unidos lançaram sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, duas bombas atômicas, que causaram mais de 200 mil mortes, contaminações terríveis pela radioatividade e um sofrimento que perdura até hoje com as sequelas sofridas pelas vítimas e seus descendentes. É o único ataque nuclear da história e o mais terrível de todos os tempos.
Hiroshima e Nagasaki não eram cidades estratégicas na guerra do Pacífico, que se aproximava do fim quando ocorreram os ataques. Armas nucleares jamais tinham sido utilizadas contra seres humanos e suas consequências eram desconhecidas, Mesmo assim, os Estados Unidos fizeram uso delas no que foi interpretado como demonstração de superioridade e experiência tecnológica.
Desde os terríveis ataques, Hiroshima relembra anualmente a tragédia, com cerimônias no Memorial da Paz para que nunca mais algo de semelhante aconteça. Hoje, os 65 anos da bomba de Hiroshima são lembrados, e, pela primeira vez, com a presença de um diplomata dos EUA, o embaixador John Roos.
O governo japonês elogiou a decisão dos EUA e o prefeito de Hiroshima acredita que “a presença do embaixador vai fortalecer a opinião mundial contra o uso de armas nucleares e a desnuclearização”. O tempo costuma apagar os piores sentimentos, mas os sobreviventes do ataque ainda têm suas desconfianças. “O melhor que eles teriam a fazer era pedir desculpas, mas duvido que isso vá acontecer”, disse à AP Terumi Tanaka, sobrevivente de Nagasaki e secretária-geral da Confederação Japonesa de Sobreviventes a Ataques Nucleares.
O momento de relembrar Hiroshima e Nagasaki é sempre doloroso e nos leva a pensar na condição humana e de tudo o que o homem foi capaz de fazer ao longo dos séculos sob diferentes pretextos. São difíceis as palavras para traduzir o sofrimento do povo japonês diante dos ataques nucleares, e por isso escolhi a sensibilidade de um poeta brasileiro, Vinícius de Morais, e a interpretação profunda de Ney Matogrosso para acompanhar este post de homenagem a todas as vítimas de Hiroshima e Nagasaki.
dotijolaço
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