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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, agosto 11, 2010

Pseudo Intelectualóides






Réquiem para os “renascentistas”


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Mauro Santayana


Recordemos a queda do muro de Berlim, o desmantelamento do sistema socialista, que pretendia ser o retorno ao liberalismo do século 19. Mais do que a globalização da economia, que continua, tivemos o tripúdio sobre os pobres. Houve quem anunciasse, com obscena soberba, que os incapazes deveriam tornar-se dóceis servos dos competentes. Era essa a lei da vida, a lei da natureza, a essência do sistema de liberdades cimentado pelo capitalismo sem limites.
Em nosso país, um intelectual, que se dizia de esquerda, assumiu a Presidência da República e, sob o efeito de relampejante conversão na maturidade, abraçou o novo e único fundamentalismo, como esplêndida e gloriosa era. “É um novo Renascimento”, proclamou, com a segurança e a autoridade dos profetas ungidos pela graça da Revelação.
Não tínhamos, país abaixo do Equador, povoado de mestiços, que inventar rodas e modas; bastava-nos seguir a corrente, integrarmo-nos na economia novamente liberal, depois do despertar do sonho do socialismo e do fim da “ociosidade” do povo, debitada ao Estado de Bem-Estar Social.
O capital financeiro assenhoreou-se do mundo. Ao aceno de nosso renascentista, ruíram as barreiras alfandegárias, revogaram-se os dispositivos constitucionais que protegiam o sistema financeiro nacional, entregaram-se bancos brasileiros a preços simbólicos a grandes consórcios financeiros internacionais (como foi o caso do Bamerindus, cedido ao HSBC) ( o BANESPA, cedido ao SANTANDER), e o Estado recuou, no mundo inteiro, menos na velha China. Sobretudo nos países ao sul do Equador político, o Estado se viu acuado, envergonhado, enquanto as ONGs assumiam o seu papel. No Brasil, privatizaram-se a toque de caixa, para impedir a reação da cidadania, empresas estatais estratégicas, que geravam recursos e tecnologia de ponta.
Não foram necessárias duas décadas para descobrir que o neoliberalismo era um expediente dos donos do mundo, que, com métodos pavlovianos de gestão (em que se combinam o suborno e a repressão), criaram quadrilhas de executivos financeiros, que roubaram do Estado e de pequenos e médios investidores – sempre com a ajuda de arrogantes acadêmicos, entre eles alguns brasileiros. Os grandes executivos, de salários milionários, não passavam de audaciosos ladrões, que manipularam as finanças internacionais da mesma forma que os old boys de Chicago controlavam o mercado das bebidas, da droga, do lenocínio. Os new boys da Escola Neoliberal de Chicago, e de instituições semelhantes, que os mexicanos chamam los perfumados, se tornaram os executores dessa nova ordem, também contra seus próprios povos.
Contra os ladrões de Wall Street, a nova legislação obtida por Obama (Dodd-Frank Act) prevê premiar os que denunciarem falcatruas no sistema financeiro, com uma porcentagem (de 10 a 30%) das penalidades financeiras que incidirem sobre os culpados. Um dos denunciantes do esquema Madoff recebeu 1 milhão de dólares de recompensa, antes mesmo da aprovação do novo dispositivo legal. O novo Renascimento não está sendo posto à prova somente no caso dos ladrões que, ao contrário dos que se arriscam a assaltar de fora para dentro, atuam de dentro dos próprios bancos. O sistema está em processo de erosão na fragilidade de seus grandes exércitos, diante da resistência dos povos. Não lhes tendo bastado a lição do Vietnã, há mais de 30 anos, os senhores da guerra mordem a poeira no Afeganistão, depois de mordê-la no Iraque. Mas sempre lhes restam as ogivas nucleares, contra o Irã – e outros alvos.

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