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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, agosto 19, 2010

A queda do Império






O ecstasy do Império

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Quão próxima da morte está a América?

por Paul Craig Roberts [*]

Está a acabar o tempo para os Estados Unidos colocarem os seus déficits orçamental e comercial sob controle. Apesar da urgência da situação, o ano de 2010 tem sido desperdiçado em alardes acerca de uma recuperação não existente. Ainda recentemente, em 2 de Agosto, o secretário do Tesouro Timothy F. Geithner assinou uma coluna no New York Times intitulada "Bem vindo à recuperação".

Como John Williams (http://www.shadowstats.com ) deixou claro em muitas ocasiões, foi criada uma aparência de recuperação pela super-contagem do emprego e a sub-contagem da inflação. Advertências de Williams, de Gerald Celente e de mim próprio não foram ouvidas, mas as nossas advertências recentemente tiveram ecos entre Laurence Kotlikoff e David Stockman, da Universidade de Boston, que criticaram o Partido Republicano por se tornar grande gastador como os democratas.
É encorajador ver um bocado de percepção de que, desta vez, Washington não pode tirar a economia para fora da recessão. Os défices já são demasiado grandes para o dólar sobreviver como divisa de reserva e o gasto deficitário não pode por outra vez os americanos a trabalharem em empregos que foram deslocalizados para o exterior.
Contudo, as soluções apresentadas por aqueles que agora começam a reconhecer que há um problema são desencorajadoras. Kotlifoff pensa que a solução são cortes maciços na Segurança Social e no Medicare ou aumentos maciços de impostos ou hiper-inflação para destruir as dívidas maciças.
Talvez falte imaginação aos economistas, ou talvez não queiram ficar isolados da Wall Street e dos subsídios corporativos, mas a Segurança Social e o Medicare são insuficientes aos níveis actuais, especialmente considerando a erosão das pensões privadas pelas bolhas do dot.com, dos derivativos e do imobiliário. Cortes na Segurança Social e no Medicare, pelo qual as pessoas pagaram 15% dos seus rendimentos durante toda a sua vida, resultariam em fome e mortes por doenças curáveis.
Aumentos de impostos fariam ainda menos sentido. É amplamente reconhecido que a maioria das famílias não pode sobreviver com um só emprego. Mas marido e esposa trabalham e muitas vezes um dos dois tem dois empregos a fim de conseguirem sustentar-se. Elevar impostos torna mais difícil sustentarem-se - portanto mais arrestos, mais selos alimentares, mais desabrigados. Que espécie de economista ou pessoa humana pensa que isto é uma solução?
Ah, mas nós tributaremos os ricos. A idiotice habitual. Os ricos já têm bastante stock de dinheiro. Eles simplesmente cessarão de ganhar mais.
Vamos ser realistas. Eis o que é provável que o governo faça. Uma vez que os idiotas de Washington percebam que o dólar está em risco e que não podem mais financiar as suas guerras contraindo empréstimos no estrangeiro, o governo ou lançará um imposto sobre pensões privadas com a argumentação de que as pensões acumularam impostos adiados, ou o governo exigirá aos administradores de fundos de pensões que comprem dívida do Tesouro com as nossas pensões. Isto dará ao governo um pouco mais de tempo enquanto as contas de pensão são carregadas com papéis sem valor.
O último déficit orçamental de Bush (2008) estava entre os US$400 e US$500 mil milhões, o que equivale à dimensão dos excedentes comerciais chinês, japonês e da OPEP com os EUA. Tradicionalmente, estes excedentes comerciais têm sido reciclados para os EUA e financiam o déficit do orçamento federal. Em 2009 e 2010 o déficit federal saltou para US$1.400 mil milhões, um aumento total um milhão de milhões (trillion) de dólares. Não há excedentes comerciais suficientes para financiar um déficit desta magnitude. De onde vem o dinheiro?
A resposta vem de indivíduos a fugirem do mercado de acções para os "seguros" Títulos do Tesouro e também do salvamento dos banksters [1]
, não tanto com o dinheiro do TARP como a permuta do Federal Reserve de reservas bancárias por papel financeiro questionável tais como derivativos subprime. Os bancos utilizaram o seu excesso de reservas para comprar dívida do Tesouro. Estas manobras de financiamento são truques que se fazem uma só vez. Uma vez que as pessoas fugiram das ações, aquele movimento para os Títulos do Tesouro está acabado. A oposição ao salvamento dos banksters provavelmente impediu um outro. Assim, de onde virá o dinheiro da próxima vez?
O Tesouro foi capaz de descarregar um bocado de dívida graças à "crise grega", a qual os banksters de Nova York e os hedge funds multiplicaram na "euro crise". A imprensa financeira serviu como um braço financeiro do US Treasury ao criar pânico acerca da dívida europeia e do euro. Bancos centrais e indivíduos que se haviam refugiado do dólar com os euros foram levados ao pânico com os seus euros e correram outra vez para os dólares com a compra de dívida do US Treasury.
Este movimento dos euros para os dólares enfraquecer a divisa de reserva alternativa ao dólar, para o declínio do dólar e financiou o maciço défice do orçamento dos EUA um pouco mais. Possivelmente o jogo pode ser reencenado com a dívida espanhola, a dívida irlandesa e a de qualquer outro infeliz país varrido para isso pela imprudente expansão da União Europeia.
Mas quando não houver mais quaisquer países que possam ser desestabilizados pelos banksters de investimento da Wall Street e dos hedge funds, o que então financia o défice do orçamento dos EUA?
O único financiador remanescente é o Federal Reserve. Quando títulos do Tesouro trazidos a leilão não se vendem, o Federal Reserve deve comprá-los. O Federal Reserve compra os títulos criando novas exigências de depósitos, ou conferindo contas, para o Tesouro. Como o Tesouro gasta o dinheiro apurado das vendas de nova dívida, a oferta monetária dos EUA expande-se no montante da compra do Federal Reserve de dívida do Tesouro.
Será que bens e serviços se expandem na mesma proporção? As importações aumentarão quando empregos estado-unidenses foram deslocalizados e dados a estrangeiros, piorando portanto o défice comercial. Quando o Federal Reserve compra as novas emissões de dívida do Tesouro, a oferta monetária aumentará mais do que a oferta de bens e serviços produzidos internamente. Os preços provavelmente ascenderão.
Quão alto eles ascenderão? Quanto mais dinheiro for criado a fim de que o governo possa pagar as suas contas, mais provavelmente o resultado será a hiper-inflação. A economia não se recuperou. No fim do ano será óbvio que a economia em colapso significa um défice orçamental para financiar maior do que os US$1,4 milhões de milhões. Será de US$2 milhões de milhões? Será mais alto?
Seja qual for a dimensão, o resto do mundo verá que o dólar está a ser impresso em tais quantidades que não pode servir como divisa de reserva. Naquele ponto o despejo maciço de dólares virá quando bancos centrais estrangeiros tentarem descarregar uma divisa sem valor.
O colapso do dólar empurrará para cima os preços das importações e dos bens deslocalizados dos quais os americanos estão dependentes. Os compradores do Wal-Mart pensarão que entraram por engano no Neiman Marcus. [2]
Os preços internos também explodirão quando uma oferta monetária crescente expulsa a oferta de bens e serviços ainda feita na América por americanos.
O dólar como divisa de reserva não pode sobreviver à conflagração. Quando o dólar se for os EUA não poderão financiar o seu défice comercial. Portanto, as importações cairão drasticamente, acrescentando-se assim à inflação interna e, como os EUA são dependente de energia importada, haverá rupturas nos transportes que provocarão rupturas no trabalho e nas entregas aos armazéns.
O pânico estará na ordem do dia
Será que as propriedades agrícolas serão atacadas? Será que os aprisionados em cidades recorrerão a tumultos e saqueio?
Será este o provável futuro que o "nosso" governo e as "nossas patrióticas" corporações criaram para nós?
Para tomar uma frase emprestada de Lenine: "O que fazer?"
Eis o que pode ser feito. As guerras, as quais não beneficiam ninguém excepto o complexo militar-segurança e a expansão territorial de Israel, podem ser imediatamente finalizadas. Isto reduziria o défice do orçamento dos EUA em centenas de milhares de milhões de dólares por ano. Mais centenas de milhares de milhões de dólares podiam ser poupados cortando o resto do orçamento militar, o qual na sua actual dimensão excede os orçamentos somados de todas as potências militares sérias sobre a terra.
O gasto militar dos EUA reflecte o insustentável, inatingível e enlouquecido objectivo neoconservador do Império estado-unidense e da hegemonia mundial. Quem louco em Washington pensa que a China vai financiar a hegemonia dos EUA sobre a China?
O único meio de os EUA terem outra vez uma economia é trazerem de volta os empregos deslocalizados. A perda destes empregos empobreceu americanos enquanto produzia ganhos super-avantajados para a Wall Street, accionistas e executivos corporativos. Estes empregos podem ser trazidos para a casa a que pertencem tributando corporações de acordo com o lugar onde é acrescentado valor ao seu produto. Se o valor aos seus bens e serviços fosse acrescentado na China, as corporações teriam uma taxa fiscal elevada. Se o valor aos seus bens e serviços fosse acrescentado nos EUA, as corporações teriam uma taxa fiscal baixa.
Esta mudança na tributação corporativa compensaria o trabalho barato estrangeiro que tem sugado empregos para fora da América e reconstruiria as escadas da mobilidade ascendente que fizeram da América a sociedade da oportunidade.
Se as guerras não forem travadas imediatamente e os empregos trazidos de volta para a América, os EUA estão relegados ao caixote de lixo da história.
Obviamente, as corporações e a Wall Street utilizariam o seu poder financeiro e as contribuições de campanha para bloquear qualquer legislação que reduzisse rendimentos e bónus a curto prazo ao trazer empregos de volta para americanos. Os americanos não têm maiores inimigos do que a Wall Street, as corporações e os seus prostitutos no Congresso e na Casa Branca.
Os neocons aliados com Israel, os quais controlam ambos os partidos e grande parte dos media, viciados no ecstasy [3]
do Império.
Os Estados Unidos e o bem-estar dos seus 300 milhões de habitantes não podem ser restaurados a menos que os neocons, a Wall Street, as corporações e os seus escravos servis no Congresso e na Casa Branca possam ser derrotados.
Sem uma revolução, os americanos serão história.

**********************

[1] Banksters: A palavra vem de banqueiros+gangsters
[2] Wal-Mart e Neiman Marcus: cadeias de lojas para pobres e menos pobres, respectivamente.
[3] Esctasy: Estupefaciente, methylenedioxymethamphetamine (MDMA). Foi utilizado pela primeira vez em tratamentos psicoterapeuticos experimentais. Em 1985 foi tornado ilegal nos EUA.
Ver também: "O ano da dissolução da América"

[*] Foi editor do Wall Street Journal e secretário assistente do Tesouro dos EUA. O seu último livro pode ser encomendado através deste link: "How the Economy Was Lost"
O original encontra-se em http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=20650
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/
PaulCraigRoberts@yahoo.com

docronicasecríticasdaamericalatina



QUE A IGUALDADE SE FAÇA SEM ARMAS

O jogo das políticas nacionais de defesa não é para principiantes. Nos últimos meses o Irã têm sido destaque internacional por conta das pressões que diversas potências, nucleares ou não, têm feito para aprovar sanções contra o país por conta de seu polêmico programa nuclear.

Teerã afirma que seu programa é pacífico, voltado para produção de energia. E sustenta que essa afirmação é bastante para que o país não mereça sofrer qualquer tipo de punição, o que já ocorre com aprovação da ONU atualmente.

Por outro lado, o governo de Ahmadinejad dá declarações polêmicas entre as quais destacam-se as ameaças à Israel, uma das potências nucleares do Oriente Médio, país que mantêm rivalidade histórica com o Irã.

Essa combinação iraniana de um programa nuclear obscuro com declarações tanto polêmicas quanto agressivas fortalece tensões armamentistas e alimenta um clima beligerante. Um clima que a maioria das nações, pelo menos desde 1968, pretende desfazer.

Naquele ano o mundo entrou em acordo sobre a necessidade de desarmamento e foi assinado o Tratado de Não Proliferação Nuclear. O Irã de Reza Pahlevi, o Xá que conquistou o poder em um golpe patrocinado pela CIA - ler Todos os homens do Xá, de Stephen Kinzer é imprescindível - assinou o tratado, subserviente que era aos Estados Unidos. Índia, Paquistão e Israel estão entre os poucos que não assinaram.

No Oriente Médio, o desequilíbrio de forças é gritante. Segundo a Agência Internacional de Energia Atômica, Israel é uma potência nuclear pois tem capacidade para produzir armas ainda que o país não confirme tal produção, o que também não nega.

E a Turquia, membro da OTAN desde 1952, possui uma base militar norteamericana que poderia ser usada para os fins estratégicos do governo de Washington e também é um Estado laico: apesar da maioria islâmica, mantém acordos militares com Israel e foi o primeiro país do mundo árabe a reconhecer o Estado Nacional edificado pelos sionistas.

Parece natural, então, que o Irã sinta-se ameaçado pela força desses três aliados - Estados Unidos, Israel e Turquia - que se opõem à república islâmica. Afinal, deve-se reconhecer a inferioridade militar do Irã diante de seus inimigos e o clima igualmente beligerante criado pela existência dessas forças no Oriente Médio.

O Tratado de Não Proliferação Nuclear é injusto e hipócrita. Obriga os países que não tem armas nucleares a não produzí-las e permite que o clube atômico oficial (Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido) mantenha seu poder sem precisar desfazer-se de suas armas. Difícil até de entender como esse tratado arrebanhou 189 membros.

Durante quase todo o último mês de maio, representantes desses 189 países estiveram reunidos para rever o Tratado. Finalmente aprovou-se um documento em que as potências nucleares se comprometem com a redução dos seus arsenais. O Brasil foi um dos países que mais pressionaram pela inclusão dessa medida.

Quanto ao Oriente Médio, foi incluído artigo que determina a interdição total de armas de destruição em massa na região. E ficou decidida a convocação de todos os países do Oriente Médio para uma conferência internacional que estabelecerá uma zona desnuclearizada na região.

É evidente que a desnuclearização que a sociedade deseja é a do mundo inteiro. Mas falta as potências nucleares assumirem de forma consistente o compromisso para esse fim. Obama, que tanto pressiona Ahmadinejad, devia fazer cumprir os discursos que deram-lhe o precipitado Nobel e reduzir seu arsenal.

Obama devia também pressionar as outras potências a fazer o mesmo. E devia pressionar Israel a abrir seu programa nuclear para a AIEA. O Iraque, por uma suspeita, que foi refutada pela AIEA, diga-se, foi invadido pelos Estados Unidos com o apoio de outras potências.

Uma medida bem mais simples também poderia contribuir para criar um bom clima de desarmamento: todas as potências podiam abrir mão da possibilidade de ataque nuclear em primeiro lugar. Esse simples gesto diplomático, se respeitado por todos, eliminaria qualquer possibilidade de conflito nuclear e estimularia o desarmamento completo.

Mas o jogo das políticas nacionais de defesa não é para principiantes. Ninguém quer abrir mão desta possibilidade - a do ataque nuclear em primeiro lugar - por razões estratégicas. É compreensível. Só não é compreensível que esse restrito clube atômico de hipócritas queira tirar a legitimidade do desejo daqueles que querem estar em igualdade de condições.

Que a igualdade se faça sem armas.

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