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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, agosto 15, 2010

ss Erra não gosta do EVO MORALES hummm...



Bolívia, o “mau exemplo”



Hernando Calvo Ospina(*)
Rebelión
Tradução do espanhol: Renzo Bassanetti

Bolívia, um país pouco conhecido no contexto mundial. A maioria dos europeus sabe da sua existência, mas não tantos o localizam no mapa. Pela pouca cultura que têm, raríssimos são os norte-americanos que não o confundam com uma fruta ou um tipo de hambúrguer.

Bolívia. A grande imprensa internacional ensinou que é só um pedaço de terra cheio de índios, coca e ditadores. Dizem ainda que estes últimos nasceram como resposta à tentativa do Che Guevara em fazer uma revolução lá.

Em 2005, a Bolívia se tornou uma atração internacional, e não pela coca e pelos ditadores: pelos índios.

Foi durante as eleições presidenciais. A imprensa destacava que um candidato indígena tinha possibilidades de comandar esse país. Um índio! Sim, um ser que não era como nós. Mostrava-se o imenso apoio que os outros indiozinhos lhe davam. Como folclore, as imagens tendiam a mostrar as saias e os chapéus das indiazinhas; e folclórico ficava o capacete dos mineiros, que nas manifestações também aclamavam o líder Evo Morales.

O indiozinho Evo foi a sensação da imprensa internacional nesse ano, particularmente na Europa. Finalmente a Bolívia produzia notícia.

Claro, nem tudo em Evo poderia ser positivo para a grande imprensa, mas sim compreensível. Por exemplo, era um dirigente do movimento dos plantadores de coca. Sim, uma coisa negativa, por que da coca para a cocaína falta pouco...mas antes de tudo, era um indiozinho. Isso o desculpava. Em cada discurso, Evo falava em acabar com o analfabetismo e a pobreza, o que a imprensa internacional via muito bem, embora se notasse que ela preferia a utilização da palavra “diminuir”.

Produzia-se uma certa inquietação nas redações por que Evo estava à frente de alguma coisa chamada Movimento ao Socialismo. Essa palavra “socialismo”.... Não se entendia como um indiozinho poderia saber disso. Não deveria ser algo saído de Evo. Era impensável saber que, quando Marx escreveu sobre isso, os índios já o praticavam havia séculos.

Até que um dia, nessas salas fabricantes de notícias e imagens “descobriram” de onde vinha a coisa. Notou-se que a irritação os atacava porque Evo era amigo do diabinho Chávez. E o pior: admirava o diabo Fidel. Mas bem, antes de tudo, Evo era um indiozinho. Todo o restante poderia entrar na conta do folclore.

E Evo Morales ganhou as eleições . Pode-se afirmar que não existiu um meio de imprensa no mundo que não o mencionasse. Como quase todos copiavam o que saía dos Estados Unidos ou Madri, a notícia saia como fotocópia de um conto de fadas. Até a chamada “imprensa cor-de-rosa” e a “jet-set” falaram do indiozinho.

Seu encontro com o rei da Espanha causou furor, ainda mais que se mencionou que Evo não usava gravata. Não importa, muitos índios são assim. Muitos intelectuais e diretores de Organizações Não Governamentais, que nunca tinham se dado por convencidos, quiseram saber como se vivia e se respirava sob o governo de um indiozinho. Voaram a La Paz, e com terror tiveram que beber chá dessa tal de coca para acalmar o “mal das alturas”.

Mas o idílio com o indiozinho não durou muito.

Evo nacionalizou o petróleo e o gás, algo incompreensível. Estava certo que quisesse tirar a maioria da população da pobreza e da ignorância, mas não era razão suficiente para “tirar” essas riquezas das multinacionais. “Tinha que ser índio!”, certamente comentaram muitos em muitas partes. A grande imprensa de certos países quase se expressou assim.

O paternalismo não deu para suportar tanto. Como por arte da magia, desde esse dia Evo passou a ser “esse índio”, o “semelhante índio”, o “tal índio”. Do folclore passou-se à difamação, e não somente a Evo. Quando se mostrava o parlamento boliviano, fazia-se notar o ridículo de que as decisões fundamentais fossem tomadas por índios e operários. E o péssimo: por tantas índias. Por isso o país estava tomando esse caminho, por que o “normal” é que sejam os de terno e gravata que decidam.

Washington decidiu que isso era “comunismo”, por isso era necessário derrotar o índio. Na falta de originalidade, iniciou-se a típica campanha de guerra de propaganda e psicológica. A imprensa internacional, manipulada por Washington e com repetidora em Madri, começou a insistir que não haviam liberdades, de nenhum tipo, que os direitos humanos eram violados e que se reprimia a oposição; também que a Bolívia se transformava no centro do tráfico de cocaína e em esconderijo de “terroristas”.

Para Washington, o cúmulo foi que Evo continuava com vida e ganhando eleições. Não adiantaram todos os milhões de dólares entregues à oposição, a seus meios de informação e a várias ONGs. Prepararam-se golpes de estado e até atentados contra sua vida. Nada de nada: o índio não se movia.

Como quase nunca tinha acontecido antes com Washington em seu “pátio dos fundos”, Evo lhes respondeu. O insolente expulsou o embaixador norte-americano, a DEA, a CIA, e ameaçou ainda tirar do país as organizações de “desenvolvimento” que pretendiam desestabilizar seu governo. Horror dos horrores!

Assim, descobriu-se que o vice-presidente, Álvaro Garcia Linera, não era índio, mas tampouco santo, talvez pior que Evo. Era um mestiço com muitos pecados: ex-guerrilheiro, ex-preso político, com grande formação política, um intelectual de rua... Então, tratou-se de introduzir discórdia para dividir. Essa imprensa sugeriu que Evo era manipulado por seu vice. Nesse caso sim, voltaram a lembrar que Evo era um indiozinho.

Pouco adiantou o complô nacional e internacional. O processo continua, com as dificuldades próprias de todo o processo criativo e atacado. Enquanto isso, aqui fora levanta e levanta simpatias e respeito.

Ultimamente a imprensa internacional prefere ser indiferente. Ás vezes, publica uma nota, claro, quando Evo faz alguma coisa que eles não gostam.

Esse comportamento dessa imprensa significa que a Bolívia já não é mais a mesma. A Bolívia, esse país que fica “pior ali”, é um “mau exemplo” no continente. E se Washington e seus aliados tem medo de alguma coisa, é desses governos “maus exemplos”. Se em tão pouco tempo, com tão poucos recursos e com tantas conspirações contra conseguiu-se tanto, por que os outros povos vizinhos não poderiam?


(*) Jornalista e escritor colombiano residente na França. Colaborador do Le Monde Diplomatique.

Artigo escrito para o semanário boliviano La Época, julho de 2010.

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