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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, agosto 18, 2010

Venezuela






VENEZUELA – A PEQUENA VENEZA


Laerte Braga

Américo Vespúcio em 24 de agosto de 1499, sete anos após Cristóvão Colombo chegar a terras americanas, chegou ao lago Maracaibo e encontrou nativos que construiam suas casas sobre estacas de madeira fixadas no lago. Vespúcio achou aquelas construções semelhantes às de Veneza, na Itália e por esse motivo deu o nome de Venezuela – pequena Veneza – ao que vem a ser hoje a República Bolivariana da Venezuela.

Como quase todos os países latino-americanos até sua independência a Venezuela foi governada por caudilhos, via de regra militares, e ligados às grandes famílias latifundiárias, ditaduras cruéis, com exceção do período em que Simon Bolivar, chamado o Libertador, presidia a chamada Confederação da Grande Colômbia, que incluía além da Venezuela, a própria Colômbia, o Equador e o que, hoje, é o Panamá.

Foi a partir da derrubada da ditadura do general Marcos Perez Jimenez que o país começou a viver um processo relativo de democracia, mas ainda assim controlado por latifundiários, banqueiros e a poderosa companhia estatal de petróleo, a serviço das elites políticas e econômicas.

No período que se seguiu a queda de Perez Jimenez, Rómulo Betancourt fundou o que os historiadores chamam de “a moderna democracia venezuelana” e, curiosamente, enquanto os outros países da América do Sul sucumbiam a ditaduras militares, até o governo de Carlos Andrés Perez Rodrigues, seu segundo mandato – não consecutivo – o processo desfechado por Betancourt na prática desintegrou a estrutura política e econômica, o aparelho estatal, tomados pela corrupção e pelas crescentes desigualdades sociais. Ou seja, uma democracia de fachada, o que talvez explique porque aquele país não tenha sofrido um golpe militar como ocorreu com Brasil, Chile, Argentina, Uruguai e os outros.

Em meio a uma crise e a perspectiva de salvar os dedos dando os anéis, as elites convocaram Rafael Caldera Rodriguez, que já havia presidido o país, para tentar evitar o caos e manter o controle dos grandes grupos econômicos nacionais e internacionais submissos a orientação dos governos norte-americanos.

Hugo Rafael Chávez Frias, um tenente coronel do exército venezuelano surge na história do país em 1992 ao liderar, à frente de um efetivo de 300 homens, uma tentativa de derrubada do presidente Carlos Andrés Pérez Rodriguez, imerso em denúncias de corrupção e que acabou afastado do governo. Rafael Caldera Rodriguez é eleito presidente e anistia os insurretos (Chávez passou dois anos preso).

Hugo Chávez sai da prisão com dimensões de líder nacional e é eleito presidente da república em 1998 com 56% dos votos no comando do Movimento pela Quinta República, inspirado nos ideais bolivarianos, que chama de “socialismo do século XXI.”

Inicia-se nova fase na história do país, levando-o à esquerda e usando a riqueza oriunda do petróleo para desenvolver programas populares de reforma agrária, saúde, educação, habitação, etc.

Pela via de sucessivos referendos consegue apoio para uma nova constituição, em vigor a partir de 1999 e enfrenta uma tentativa de Golpe de Estado em abril de 2002.

O Golpe fora armado pela CIA, com cumplicidade de empresários e latifundiários venezuelanos além do apoio da mídia – chamado de “primeiro golpe midiático da História” - pois desfechado a partir de notícias falsas veiculadas pelas redes privadas de tevê, jornais, revistas e rádios.

Chávez retorna ao poder três dias depois debaixo de grande clamor popular e em agosto do mesmo ano, sob severa observação de entidades internacionais de direitos humanos, inclusive com a presença do ex-presidente dos EUA, Jimmy Carter, vence um referendo que dá aprovação majoritária ao seu governo, permitindo-lhe a conclusão do primeiro mandato e sua reeleição.

Um dos referendos convocados por Chávez abre a perspectivas de novas reeleições.

Em setembro próximo os venezuelanos vão às urnas para eleger governadores de departamentos, prefeitos e um novo congresso. Ao contrário do que aconteceu na última eleição há cinco anos, a oposição decidiu concorrer através de seus principais partidos a vagas no legislativo. Não há representatividade dessas forças no congresso atual, exatamente pela decisão anterior de não disputar as eleições e dessa forma tentar negar legitimidade ao governo Chávez.

As pesquisas de opinião pública indicam que Chávez deve manter a maioria absoluta do congresso, mas evidente, disputando as eleições, os partidos de oposição devem conquistar algumas cadeiras.

Há cerca de trinta dias empresários europeus anunciaram que cerca de 50 milhões de dólares foram doados a essas forças contrárias a Chávez, numa tentativa de alcançar o maior número de parlamentares possíveis, tentando inviabilizar uma nova reeleição de Cháve em 2013.

As sucessivas crises com a Colômbia, principal base dos EUA na América do Sul, decorrem da sistemática ação golpista dos governos norte-americanos contra Chávez.

Chávez deu a partida, de fato, em tentativas políticas de integração latino-americana. Aliou-se a governos como o de Rafael Corrêa (Equador), Daniel Ortega (Nicarágua), Evo Morales (Bolívia) e Raul Castro (Cuba), além de contar com a simpatia dos governos do Brasil e da Argentina.

Foi decisivo, assim como Lula no Brasil (a maior extensão territorial da América Latina e a maior economia da região), para que a ALCA – Aliança de Livre Comércio das Américas – não se viabilizasse a despeito dos acordos firmados, principalmente, entre o ex-presidente brasileiro Fernando Henrique Cardoso e Bill Clinton, denunciando que, na prática, a aliança significaria uma recolonização dos países latino-americanos.

Chávez defende a integração latino-americana através de um processo gradual que inclui uma moeda única para os países dessa parte do mundo, tal como o Euro para a União Européia.

Erradicou o analfabetismo em seu país, melhorou acentuadamente as condições de saúde, as políticas de habitações populares já suprem boa parte das necessidades dos excluídos na Venezuela e isso acabou por transformar a maior central sindical do país em grande adversária do governo. Seus dirigentes apoiaram o golpe fracassado de 2002, pois eram grandes beneficiários da corrupção na empresa estatal de petróleo em benefício de grupos nacionais e internacionais. O sindicalismo pelego. Associado ao capital.

Um dos filhos de Robert Kennedy, quando do furacão Katrina que devastou a cidade histórica de New Orleans, fez declarações públicas em seu pais que o presidente da Venezuela deveria ser homenageado pelo governo dos EUA por sua ação ao rebaixar o preço da gasolina na área devastada pelo furacão e permitir que milhares de famílias saíssem sem maiores prejuízos ou riscos da própria vida. O fato foi ignorado pela mídia em todo o mundo e nenhuma companhia norte-americana ou de de outro país, naquele momento, adotou prática semelhante.

Chávez enfrenta a mídia privada, toda ela controlada por grandes grupos empresariais, ligada aos EUA e por essa razão, levando em conta a participação de um desses grupos no golpe de 2002, não renovou sua concessão (os canais de tevê são concessão de serviços públicos).

Ao não permitir a RBS manter sua rede, passou a enfrentar também a acusação de cercear a liberdade de imprensa.

Vital para os interesses norte-americanos em toda a América Latina, o petróleo venezuelano, o governo de Chávez tem sido vítima de constantes ações golpistas a partir da Colômbia, denúncias infundadas de desrespeito aos direitos humanos e à liberdade de expressão e principalmente por suas políticas de integração latino-americana.

O ex-presidente de Honduras, Manuel Zelaya, foi deposto em seguida a acordos comerciais com a Venezuela e declarações explícitas do ex-presidente hondurenho de alinhamento com as políticas bolivarianas de Hugo Chávez.

No Brasil, por exemplo, a principal rede de TV, a Rede Globo, controlada por capital estrangeiro e pela família Marinho, teve participação direta na tentativa de golpe em 2002. Uma enviada especial, a jornalista Míriam Leitão, duas semanas antes do golpe, produziu uma série de reportagens, dentro do esquema ser desfechado , denunciando o “caráter ditatorial” do governo Chávez e preparando a opinião pública brasileira para o golpe.

Quando da prisão de Chávez em uma quinta-feira do mês de abril daquele ano de 2002, o noticiário da rede brasileira falava em “fim de uma ditadura” e “revolução democrática por vontade popular”. Na volta de Chávez, três dias depois, a rede omitiu detalhes sobre o grande levante popular que reconduziu o presidente ao palácio do governo.

As eleições de setembro próximo não vão alterar o curso da revolução bolivariana, embora Chávez vá ter no congresso representantes da oposição. Vai manter a maioria legislativa e dos departamentos, a despeito de crise em alguns setores no abastecimento de gêneros básicos, do apagão decorrente de um grande período de seca e de índices ameaçadores de inflação. Resultam das pressões econômicas sobre o país, a queda do preço do petróleo, mas não anulam as melhorias na educação, na saúde, na moradia, as conquistas populares de um modo geral.

Uma das apostas dos EUA para derrubar Chávez é a eleição (cada vez mais difícil) de José Serra, candidato de extrema-direita, à sucessão de Lula no Brasil, país chave para o controle da América do Sul.

Toda a história do fracassado golpe de 2002 pode ser vista no documentário “A Revolução Não Será Televisionada” , de cineastas irlandeses que, à época filmavam a história do próprio Chávez. As cenas são reais, as gravações feitas ao vivo e milhões de venezuelanos são mostrados nas ruas de Caracas, principalmente em frente ao palácio do governo, exigindo a volta do presidente constitucional, no caso Hugo Chávez.

O documentário não foi exibido no Brasil, por exemplo, por nenhuma rede privada. Seria como desmentir todo o noticiário que desenvolveram à época e continuam a vender ao público.

A revolução bolivariana de Hugo Chávez é hoje uma realidade que transcende a Venezuela e deita ramas por todos os países latino-americanos através de muitas organizações do movimento social.

A integração latino-americana é uma perspectiva de sobrevivência dos países desse canto do mundo como nações soberanas, livres, ou como diz o próprio Chávez, a demonstração que “existe alternativa ao neolibealismo, é real e possível”.

Com a proximidade das eleições na Venezuela deve aumentar o tom terrorista da mídia privada contra o governo Chávez. A última ação de Álvaro Uribe como presidente da Colômbia foi exatamente tentar provocar uma crise nessa direção.

Uma dos principais conquistas de Chávez e dos países latino-americanos foi a UNASUL – União das Nações do Sul – que já começa a se contrapor à OEA – Organização dos Estados Americanos - pois livre da influência dos EUA.

É um dos primeiros passos para a integração efetiva e dela fazem parte países como o Brasil e a Argentina, os maiores da América Latina.

Outro aspecto em Chávez que desagrada aos norte-americanos, contraria seus interesses políticos e econômicos, é sua proximidade com governos independentes de outras partes do mundo, caso do governo do Irã.

Para Chávez o terrorismo é a realidade praticada a partir dos EUA e Israel.

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