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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, agosto 17, 2011

O pato, o ganso e o cisne

Sessenta e quatro anos após o trauma vivido no Maracanã, o Brasil volta a sediar uma copa mundial de futebol. E isso num momento em que por variados motivos vamos adquirindo ares de sermos mais do que um país apenas emergente.
O Brasil desperta no mundo atual uma nova admiração que ultrapassa o velho chavão do país do futebol. Políticas sociais mais acertadas, economia minimamente planificada e que consegue vencer a crise do capitalismo neoliberal que vaza água por muitos lados, política externa independente, ampliação e solidificação de seu mercado interno, proteção à indústria nacional, enfim, um conjunto de ações que têm despertado a curiosidade de políticos, economistas e jornais do mundo inteiro.
Curiosamente, onde estamos perdendo alguns pontos é exatamente na classificação mundial de futebol feito pela FIFA. Aquele velho e bobo orgulho da ‘pátria em chuteiras’. E parte desse declínio tem a ver com alguns inexpressivos resultados na nossa seleção canarinho.
Com a criação, ampliação e sofisticação do chamado mercado do futebol europeu há alguns anos, o Brasil tornou-se naturalmente um dos maiores fornecedores de bons jogadores para aquele continente. Mas isso virou a farra do boi. Hoje, as escolinhas de futebol espalhadas pelos quatro cantos do país preparam meninos para se tornarem os grandes astros de amanhã. E são preparados como mercadoria de luxo.
O principal modelo, embora existam muitos outros, é Neymar que, em apenas dois anos foi elevado à categoria de um dos principais jogadores brasileiros, com grandes verbas publicitárias ao redor do seu nome e desempenho, promessas de salários astronômicos e possibilidade de vendas para o exterior por preços estratosféricos. Um verdadeiro cisne ao lado de patos e gansos.
Contudo, o futebol apresentado por esse jogador tem deixado a desejar, seja no seu time, o tradicional Santos Futebol Clube da Vila Belmiro, e principalmente pela seleção nacional. Não só ele, mas os inúmeros talentos que jogam fora do Brasil e seus salários astronômicos. Todos transformados em celebridades nos países em que atuam e no Brasil, incensados e idolatrados além daquilo que realmente merecem.
Alguns, depois de algum tempo, já “bichados”, para usar a linguagem do futebol, voltam para cá, contratados por salários irreais por alguns de nossos grandes clubes. Não jogam, pois estão se recuperando fisicamente: gordos, fora de forma, desinteressados, cansados do futebol, velhos para o esporte aos trinta e poucos anos.
FIFA, CBF, diretores de clubes, empresários, técnicos, patrocinadores, imprensa esportiva, canais de televisão, armam uma ciranda onde o que menos importa é o futebol, o bom futebol, o esporte que sempre encantou milhões pelo mundo afora.
Feira de vaidades, mercado de transações comerciais lícitas e ilícitas, valhacouto de mafiosos, o futebol vai deixando de ser um esporte emocionante na sua prática dentro dos gramados, para se tornar uma atração das páginas policiais e das fofocas jornalísticas.
Por aqui, uno minha voz a de tantos outros que ainda gostam do futebol arte: FORA RICARDO TEIXEIRA!
Izaías Almada, escritor e dramaturgo, colunista do NR
*notaderodapé

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