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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, outubro 31, 2011


 
 
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Edição nº 177
31/10/2011


Primeira lei voltada para as pessoas com deficiência completa 22 anos mas ainda não tira brasileiros dos "campos de concentração"?


No dia 24 de outubro de 1989 o presidente José Sarney promulgava uma lei em que, pela primeira vez, o Estado brasileiro assumia amplamente suas obrigações em relação às pessoas com deficiência. Estava criada a Lei 7.853 que criminalizou o preconceito e conferiu ao Ministério Público a tarefa de também defender os direitos coletivos das pessoas com deficiência. Com ela, procurou-se garantir a igualdade pelos princípios básicos que norteiam a democracia.
Na exposição de motivos que embasou o projeto de lei enviado ao Congresso, o Consultor Geral da República, ministro Saulo Ramos, escreveu: “A solidariedade social é de todos para com todos, porque iguais em direitos. Preexiste ao Estado. A civilização de nossos dias, que varreu da cultura política as discriminações espartanas, não vê, nem admite, diferenças pela eficiência ou deficiência física do ser humano, precisamente porque se reconciliou com as leis mais antigas, as leis imemoriais e não escritas, mas inquebrantáveis, que reportam à origem da criação do homem. Não pode haver diferença entre os homens porque da mesma essência os fez o direito natural”.
Igualdade. É essa a inspiração da lei que foi considerada pela BBC, em 2004, “a melhor legislação das Américas” sobre os direitos das pessoas com deficiência. E foi na luta pela busca da igualdade de direitos onde tudo começou e estimulou uma assessora do ministro da Educação, na época, a trocar um projeto de lei que o chefe desejava apresentar ao Congresso para criar um programa de educação especial, por uma lei mais geral que integrasse de fato as pessoas com deficiência à sociedade.
A assessora Teresa Costa d’Amaral não apenas convenceu o ministro Marco Maciel, mas também, o presidente da República, José Sarney, de que o governo deveria liderar uma discussão mais ampla com a sociedade sobre o assunto. O presidente, então, instituiu um comitê para elaborar um plano de ação e Teresa participou ativamente dessas discussões. Ao final dos trabalhos, em julho de 1986, o comitê sugeriu um plano com 89 propostas de ações de políticas públicas para as pessoas com deficiência. Além disso, também recomendou a criação de um órgão de governo que coordenasse a implantação do plano.
De posse do resultado do trabalho do comitê, Teresa leva para o ministro Saulo Ramos o que viria a ser o embrião da Lei 7.853 e da Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Corde). Depois de analisar as conclusões do comitê, Saulo Ramos recomenda que as 89 propostas sejam transformadas em projeto de lei a ser enviado ao Congresso. E o órgão de coordenação - a Corde - foi instituído por decreto, no final de 1986, pelo presidente Sarney, que nomeou Teresa - a quem o comitê indicara para o cargo por aclamação - sua primeira coordenadora.
Em seu livro de memórias “Código da Vida”, Saulo Ramos recorda a persistência e vigilância de Teresa pela criação da lei: “Naquele trabalhão todo que tivemos para elaborar projetos de lei de concreção prevista pela nova Constituição, não nos descuidamos de providenciar a lei de defesa completa do deficiente físico. Mesmo porque Dona Teresa Costa d’Amaral continuava lá. De plantão! Cobrava-nos providências”. Além de participar da elaboração do projeto de lei, Teresa comandou o trabalho de convencimento para sua tramitação, aprovação e promulgação.
Na semana passada, a lei 7.853 completou 22 anos, mas a realidade em que vivem as pessoas com deficiência no Brasil ainda está muito longe dos ideais de igualdade de direitos preconizados pela lei. Tão longe, que um artigo escrito por Teresa em 1997, oito anos depois da promulgação da lei, criticando as condições de vida das pessoas com deficiência, parece redigido agora: “Não estamos em guerra. Nem mesmo procuramos esconder com cerca de arame farpado. Mas o Brasil tem seu próprio campo de concentração. Mantemos entre nós 2 milhões de brasileiros deficientes sobrevivendo sem nenhuma possibilidade de acesso à saúde, à educação, à reabilitação”.
Em outro trecho, é contundente: “Porque o que o deficiente quer é o direito à igualdade. Não o direito de ser igual, mas a possibilidade de, sendo diferente, ter acesso aos mesmos direitos”. E conclui, com indignação: “Em nosso país reivindicamos ainda a cidadania. Temos campos de concentração a serem abertos. A democracia precisa ser construída. E o deficiente deve fazer parte dessa construção”.

 


Presidente José Sarney em visita ao IBDD
Instituto Brasileiro dos Direitos da Pessoa com Deficiência
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