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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, outubro 25, 2011

Pele Negra, Máscaras Brancas

Barack Obama, além de ser simpático, é também Nobel da Paz.

Por isso não invade: defende. É este o sentido da próxima operação dos Estados Unidos: uma missão humanitária onde os soldados entrarão em acção apenas para auto-defender-se. O facto de serem tropas especiais, treinadas para matar, rebentar, explodir e conquistar é um pormenor insignificante.

Onde? Uganda. Para começar, pois o cenário é bem maior.
No passado dia 14 de Outubro o simpático Obama anunciou o envio das ditas tropas também no Sul Sudão, no Congo e na República Centroafricana.
Objectivo da missão: acabar com a guerra civil que continua  afazer estragos na região.

Doutro lado a Líbia agora está controlada, a Síria está em fase de aquecimento, que vamos fazer? Paramos mesmo agora? Seria um desperdício.

Muito insólito?

A imprensa julga a decisão de Obama "muito insólita", até "estranha", mas o que há de estranho aqui é a forma como a imprensa raciocina.

O envio de tropas para a África é a lógica consequência da política americana, sempre a mesma desde 1945.

O Vietname, por exemplo: mas porque raio os Estados Unidos tentaram "ocupar " (mas na verdade foi uma operação para ajudar a parte sul do País, sempre "acções humanitárias" e de "defesa") um País que ficava do outro lado do planeta?

Naquele caso, a prioridade era travar o poder da China, um rival imperialista, embora disfarçado de vermelho, e proteger a Indonésia, que o Presidente Nixon tinha definido como "o tesouro mais rico em recursos naturais da região".

O Vietname representava um obstáculo, por isso a morte de três milhões de vietnamitas, a devastação e o envenenamento da terra foram o justo preço pago pelo País asiático.

Não é por nada que Secretário de Estado de Nixon era na altura Henry Kissinger, outro Prémio Nobel.

E, olha o acaso, atrás do envio de tropas na África há mais uma vez a China.
Mas vamos com ordem.

Em Uganda, a missão humanitária das tropas dos Estados Unidos é ajudar o governo daquele País a derrotar o Exercito da Resistência do Senhor (LRA) que "matou, violou e raptou dezenas de milhares de homens, mulheres e crianças da África Central".
Curioso, esta descrição faz lembrar, não sei porque, aquela de Patrice Lumumba, o líder da independência do Congo e primeiro chefe do governo do Congo, obviamente antes de ser assassinato pela CIA e substituído por Mobutu Sese Seko, o mais corrupto tirano do continente.

Bom, mas esta afinal é outra história.

Há depois uma outra razão que justifica a intervenção americana: é, como afirma o simpático Obama, "a segurança nacional dos Estados Unidos".

E, temos que admitir: neste sentido um Uganda desestabilizado põe em risco até a existência de Washington. Perceber a razão não é simples, mas Obama evidentemente conseguiu.

Deve ser por isso que o Presidente do País africano, Yoweri Museveni (Presidente para sempre), recebe 45 milhões de Dólares em ajudas para encontrar e destruir os terríveis terroristas (por assim dizer...) do grupo Al Shabaab, que tem base na Somália.

A China, mais uma vez

Mas atrás de tudo isso há, como dito, mais uma vez Pequim.

A paranóia global institucionalizada justifica as palavras do General David Petraeus, ex comandante EUA , agora director da CIA, que define a nossa situação como "um estado de guerra perpétuo", onde derrotada (por assim dizer...) Al Qaeda, é tempo de encontrar um novo inimigo. E a China será a próxima ameaça oficial de Washington.

E o continente africano conta o sucesso de Pequim.

Onde os Americanos levam drones e desestabilização, os Chineses levam diques, estradas, pontes. Obtêm o que querem, recursos, em particular combustíveis fósseis, mas sem sangue. Veja-se a tragédia líbia confrontada com a penetração silenciosa da China em outros Países do mesmo continente.
E a Líbia era um dos maiores fornecedores de petróleo para Pequim que, por sua vez, mantinha 30.000 trabalhadores em Bengasi.

Desfrutando a AFRICOM, os Estados Unidos tentaram estabelecer um domínio no continente africano, mas os vários governos locais recusaram a organização, com o medo de que esta poderia ter acentuado as tensões na região.
Agora Líbia, Uganda, Sud Sudão e Congo oferecem uma nova ocasião, talvez a maior e melhor.
Os projectos da América para a África fazem parte dum desenho global, onde 60.000 forças especiais já estão operativos em 75 Países. E cedo serão 120.

Como realçava Dick Cheney no próprio plano de "Estratégia da defesa" de 1990, os Estados Unidos querem simplesmente governar o mundo.
Nada mais do que isso, ora essa.

É esta a prenda que o simpático Barack Obama, o "Filho da África" (mas também da Irlanda), tem para o continente das próprias origens?

Como Frantz Fanon explicava no livro Black Skin, White Masks (Pele Negra, Máscaras Brancas), o que conta não é tanto a cor da tua pele mas o poder que serves e os milhões de pessoas que estás a trair.


Ipse dixit.

Fonte: JohnPilger
*informaçãoincorreta

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