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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, novembro 07, 2011

Na Província Tudo Pode



Para quem acha só existirem pizzarias boas em Brasília, acaba de ganhar notoriedade uma de fazer inveja a qualquer indignado com as pizzas brotinhos assadas no Ministério do Esporte.
A Assembléia Legislativa do Estado tirou do forno o encerramento  da investigação do esquema de emendas que levou o denunciante deputado da base do governo paulista  a comparar o comércio, não a uma casa de forneados, mas a um verdadeiro camelódromo.
Segundo o mesmo deputado, recebem regularmente comissões um terço dos parlamentares ligados ao palácio dos Bandeirantes, As quais são apuradas a um valor de 10 a 20% de 2 milhões de reais reservados a cada deputado daquela Casa Legislativa a título de direitos sobre recursos do orçamento. 
Ilustrativo do sentido instrumental da prática é o fato de que o preferido para disputar as eleições pelo PSDB ano que vem, Bruno Covas, haver movimentado 8 milhões de reais em emendas ao orçamento, com destinação desconhecida.
Alertar para a chaminé fumegante da pizzaria em São Paulo é importante porque esclarece que se se quer efetivamente acabar com a corrupção no País, o cidadão não pode voltar seus olhos apenas numa única direção, a do planalto, mas deve também dirigi-los também ao chão que lhe é mais próxomo Como falar em ética no país quando as Instituições regionais transformaram-se em bolsas de valores de risco zero paara deputados e governantes?
Ao contrário do que se passou no governo federal, em que ministros acusados de improbidade tiveram os rostos iluminados pelos holofotes da imprensa e foram sistematicamente afastados de seus cargos, no Estado de São Paulo os episódios de malversação mal chegam a alcançar as páginas internas dos jornais e se o fazem são solenemente ignorados por todos aqueles que deveriam investigá-los.
Chegou-se a uma situação dessas porque 20 anos sem alternância de poder no plano estadual produziram a sensação de que tudo podem os senhores do castelo, já que a cada ciclo de governo há apenas revezamento de cadeiras entre colegas de partido. Que embora às turras uns com os outros, conservam o pacto de silêncio que lhes assegura o forno sempre aceso.
Ainda desta vez, depois de tantos outros casos mandados ao assamento, o escândalo da Assembléia Legislativa, ou propino-duto paulista como ficou conhecido, terá menos chance de cair no esquecimento. Pelo simples fato de haver se tornado público no momento em que a ética vem levando manifestantes às ruas.
Ficou o registro do acontecimento a despeito do fato de que o silêncio da mídia e o braço forte do governo continuem a lograr êxito em conservar o clima de política cafeeira no maior Estado do Brasil.



Alexandre Frota, o travesti e a jornalista empurrada da Globo


O SBT e a Globo , duas das emissoras que integram as redes sob o comando de meia dúzia de famílias ricaças dedicadas a manipular o imaginário dos brasileiros, protagonizaram quase que simultaneamente episódios bem parecidos quanto aos efeitos visados.
Enquanto a TV dos Abravanel punha no ar o ator pornô Alexandre Frota para quebrar o cenário de mais um dos programas mundo cão que fizeram a riqueza do oportunista Silvio Santos, a TV dos Marinho reprisava pela enésima vez a cena de uma jornalista surpreendida com a ação de tresloucados que interromperam a gravação das infames imagens “diretamente do Sírio Libanês”.
Uma  e outra das sequências foram ou produzidas artificialmente ou repetidas à exaustão para produzir uma espécie de efeito surpresa que levasse o telespectador a imaginar a televisão como um tipo de substituta da vida real, pelo simples fato de ser palco de emoção iguais ou melhores que aquelas possíveis de serem experimentadas fora das telas.
Na primeira delas, o cafajeste Frota reage com violência à pergunta sobre se teria feito um filme pornô com determinado travesti. A intenção mal dissimulada foi a de proporcionar ao público a emoção barata de que o ator, apesar da baixeza, ainda seria capaz de agir como homem digno ao assumir a defesa de seu parceiro de cena erótica.
Nas imagens exploradas pela Globo , a repórter  é apresentada como mártir de agentes de um autoritoritarismo difuso empenhados em impedir não apenas o exercício do direito de informar como também de ser informado.
Nos dois casos um só propósito impeliu os produtores a insistir na exibição das cenas: a de vincular cada vez mais as respectivas audiências ao estilo “é tudo verdade” dos departamentos de produção, que buscam reforçar a sugestão de que vale a pena substituir o questionamento autônomo e individual sobre os fatos pela interpretação pré-fabricada dos veículos de comunicação.
O ator pornô não estava de fato indignado com a pergunta que lhe dirigiu o apresentador na cena construída  nem o departamento de jornalismo da Globo considerou verdadeiramente o episódio da interrupção da reportagem um atentado contra a liberdade de imprensa. Tratando de tema sensível (a enfermidade do popular Lula) em tom sensacionalista, cogitava da hipótese de que aquilo que ocorreu pudesse se verificar.
Mas a chance de ouro para transformar essas máquinas de invasão de privacidade e de sensacionalismo em vítimas não poderia ser desperdiçada. Ainda que fosse uma vitimização forçada, como a que de momento emprestou à figura do  travesti a imagem de ofendido resgatado em sua dignidade pelo heróico Frota.      

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