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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, junho 14, 2012

O Brasil diante de dois inimigos


 

 

Em discurso recente no Senado, Pedro Simon advertiu contra o perigo de que o crime organizado se aposse das instituições do Estado. Até o caso Cachoeira, disse o parlamentar gaúcho, havia sido comprovada a corrupção de setores da burocracia dos governos, mas não a da estrutura do Estado.
O governador Marconi Perillo se esquivou, com habilidade, das questões mais graves, em seu depoimento na CPMI. Registre-se que ele se encontrava mais do que tranqüilo, mesmo respondendo às indagações precisas do relator, até que chegou a vez do deputado Miro Teixeira. O experiente homem público, mesmo tendo como ponto de partida o caso menor, que é o da venda da casa de Perillo, deixou, na argúcia de suas perguntas, graves suspeitas.
Como pôde o governador receber o dinheiro de uma empresa e passar a escritura a um particular? Também ficou claro a quem ouviu o governador ser difícil que ele ignorasse as atividades ilícitas do apontado contraventor; ele conhecia, com intimidade, a sua vida empresarial, social e familiar.
O caso Cachoeira – e a advertência de Pedro Simon é importante – mostra como a nação está acossada por um inimigo interno insidioso, que é o crime organizado. Os recursos públicos são desviados para alimentar um estado clandestino, que está deixando de ser paralelo, para constituir o núcleo do poder, em alguns municípios, em muitos estados e na própria União. Essa erosão interna da nacionalidade brasileira, que se assemelha a uma gangrena, coincide com o cerco internacional contra o nosso país.
Enquanto parte da opinião nacional acompanha, indignada, as revelações do esquema Cachoeira, articula-se eixo internacional entre os Estados Unidos, a Espanha e todos os países da Costa do Pacífico, com a exceção do Equador e da Nicarágua, contra o nosso povo, mediante a Aliança do Pacífico. Não há qualquer dissimulação.
Como informa a publicação Tal Cual, da oposição venezuelana, o foro funciona ativamente e já celebrou seis reuniões de alto nível. “Os quatro países signatários da nova Aliança do Pacífico – revela a publicação – têm, todos eles, governos de centro ou centro-direita, crêem no capitalismo, são amigos dos Estados Unidos, e favorecem os tratados de livre comércio e o princípio do livre-comércio em geral. Une-os sobretudo um temor comum e impulso defensivo frente à ascendente potência hegemônica ou neo-imperial que é o Brasil”. E termina: “sentimo-nos satisfeitos e aliviados pelo surgimento do muro de contenção à expansão brasileira, que é a Aliança do Pacífico”.
Assim, os Estados Unidos cuidam de retomar a sua influência e presença militar na América Latina. Nesse sentido, procuram valer-se da Aliança do Pacífico para estabelecer bases militares cercando o Brasil, da Colômbia ao sul do Chile. Leon Paneta, o Secretário de Defesa dos Estados Unidos, acaba de acertar com o presidente do Chile, Sebastián Piñera, o estabelecimento de uma base norte-americana em Fuerte Aguayo, nas proximidades de Valparaíso. Entre outras missões dos militares americanos está a de treinar os carabineiros chilenos, a fim de coibir manifestações populares. Há, ao mesmo tempo, uma orquestração da imprensa e dos meios políticos e empresariais, a fim de reabilitar a figura do ditador Pinochet.
Os Estados Unidos, que mantêm uma base no Chaco paraguaio, quiseram também ocupar o aeroporto de Resistência, na província argentina do Chaco, e o governador Capitanich assentiu, mas o governo de Cristina Kirchner vetou o acordo.
A participação da Espanha nesse novo cerco ao Brasil é evidente. Em Madri, os embaixadores dos quatro paises maiores envolvidos (México, Colômbia, Peru e Chile) se reuniram, para defender a nova aliança, e coube ao embaixador do Chile, Sergio Romero, ser bem explícito. Ao afirmar que o bloco não nasce contra o Brasil, nem contra o Mercosul, aclara, no entanto, que o grupo recebe de braços abertos os investimentos europeus, especialmente da Espanha e dos Estados Unidos – que poderiam formalmente participar da Aliança.
Limpemos os nossos olhos, vejamos os perigos que ameaçam diretamente a nossa sobrevivência como nação independente, nas vésperas do segundo centenário do Grito do Ipiranga. Não temos que ficar abrindo mais divisões internas, e devemos nos unir para enfrentar, ao mesmo tempo, o inimigo interno, que é o crime organizado e suas teias nas instituições do Estado, e os inimigos externos.
Esses, sempre que estivemos avançando no desenvolvimento social e econômico, procuraram quebrar as nossas pernas, contando com traidores brasileiros. Não é preciso recuar muito no passado. Basta lembrar o cerco contra Vargas, em 1954, a tentativa de golpe de 1955, repetida em 1961 e, por fim, o golpe de 1964, com as conseqüências conhecidas. Registre-se que, apesar da vinculação com os Estados Unidos, durante o governo Castelo Branco, e a famosa doutrina das “fronteiras ideológicas”, vigente durante o governo Médici, a partir de Geisel os militares brasileiros não mantiveram a mesma subserviência diante de Washington.
Enfim, espera-se que o Itamaraty mantenha o governo da Sra. Dilma Roussef a par dessas manobras anti-brasileiras, comandadas a partir de Madri e de Washington, e que a CPMI vá até o fundo, nas investigações em curso. Elas não devem parar nas imediações de Anápolis, mas chegar a todo o Brasil, conforme os indícios surjam. É bom conhecer a verdade do passado, mediante a Comissão formada para isso. E se faz também necessário conhecer a verdade do presente, e impedir que o crime tome conta das instituições nacionais, como está ocorrendo no México de Calderón.
E não nos devemos esquecer que o sistema financeiro mundial é também uma forma – superior e mais poderosa – de crime organizado. E muito bem organizado.
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