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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, dezembro 07, 2012

Vereadora Elaine Matozinhos, respondaQuem disse que direitos humanos é direito de bandido?

bhaz





A vereadora Elaine Matozinhos perdeu, na última segunda feira, dia 5 de novembro, uma excelente oportunidade de ficar calada. Ou talvez seja o inverso: devemos agradecer à parlamentar por mostrar, em um pronunciamento na Câmara Municipal de Belo Horizonte, sua postura autoritária, irrefletida e danosa acerca do importantíssimo tema dos Direitos Humanos. Ela, além disso, teceu considerações completamente descabidas sobre a Comissão da Verdade e os crimes perpetrados pelo Estado na Ditadura Militar, mas isso é assunto para outra coluna. Ver um parlamentar defendendo, ainda que de forma velada, a tortura policial e a ditadura em um discurso em um órgão público do Brasil redemocratizado não é, infelizmente, algo incomum, pois vivemos em uma democracia ainda recente.
Matozinhos, que se tornou delegada durante a ditadura militar, parece não haver abandonado o ranço truculento e antidemocrático que marcava as instituições políticas e policiais no período e que, infelizmente, deixou resíduos perceptíveis em muitas das práticas adotadas cotidianamente em nosso país. A vereadora, basicamente, fez uso da palavra, no exercício de suas funções para defender a postura “idiotizante”, compartilhada por parte do senso comum, de que os Direitos Humanos, atualmente, servem apenas para defender “bandidos” e “vagabundos” e para atacar as polícias.
Não existe mito no Brasil contemporâneo que não seja, ao mesmo tempo, tão disseminado e tão falso. Apresentadores de programas sensacionalistas, quando vão mostrar à população qualquer crime horrendo, sempre desfilam, depois de uma tacanha entrevista com o suspeito, o mesmo repetitivo discurso. O palavrório já deve ser conhecido de nossos leitores: trata-se de uma caricatura grotesca de argumentação, dita sempre aos berros e com o dedo indicador em riste, culpando os defensores dos Direitos Humanos por todas as mazelas que hoje assolam nosso país.
Pois, gostaríamos de deixar claro de uma vez por todas: quem defende os Direitos Humanos defende a integridade física e a vida das pessoas que se encontram sob a tutela prisional do estado sim, mas defende também, e de muitas maneiras diferentes, os direitos e o bem estar de todos os brasileiros.
Antes de continuar, é importante explicar de forma clara o que são os tais Direitos Humanos, que se tornaram o bode expiatório favorito de parte da nossa imprensa.
Os Direitos Humanos são nada mais do que o conjunto de normas e valores considerados essenciais e básicos para que todo e qualquer ser humano possa ter uma vida digna e livre. São normas criadas para garantir às pessoas algumas prerrogativas sem as quais a vida humana não pode ser nem inteiramente vida e nem inteiramente humana.  A liberdade de expressão, o direito à integridade física, a um julgamento justo, o direito de ir e vir, à alimentação, à saúde, à educação, à moradia, à expressão afetiva, à liberdade religiosa… todos esses são Direitos Humanos.
Outra característica importante dos Direitos Humanos é a sua universalidade. Trata-se de uma simples questão de lógica: se esses direitos se aplicassem apenas a uma parcela da população e não se aplicasse a outra, o Estado não estaria reconhecendo uma parcela de seus habitantes como gente, o que foi, exatamente, o que Hitler fez com os judeus, os ciganos e os homossexuais.
A universalidade dos Direitos Humanos tem implicações importantes: se você defender que essa gama de prerrogativas básicas não se aplica aos presos, sejam eles réus, condenados ou suspeitos, estará defendendo que, na eventualidade (que não é assim tão eventual) de a polícia brasileira cometer um erro e te meter no xilindró, você estará poderá se sujeitar à tortura, a tratamentos degradantes, a privação de comida e água e a todas as medidas absurdas e meramente vingativas que certas pessoas defendem para combater a criminalidade.
Em nosso país, os detentos são temporariamente privados de alguns direitos humanos, como, por exemplo, a liberdade de ir e vir e os direitos políticos, mas reparem que não são direitos cuja suspensão acarreta danos irreparáveis, como o direito à vida, à integridade física e à saúde.
Pode-se argumentar que o estado não garante saúde, educação, segurança e moradia dignas para boa parte da população. Por que deveria garantir esse direito aos presos?
Respondo: não é o fato de o Brasil estar errado em não oferecer condições dignas de vida para todos os seus súditos que estão livres, que vai tornar corretas as violações aos Direitos Humanos dentro dos estabelecimentos carcerários. Aliás, se existissem em nosso país políticas sérias e efetivas de implementação dos Direitos Humanos em todas as esferas da vida dos cidadãos, o problema da violência, que tanto parece preocupar as “Elaines Matozinhos” que existem por aí seria, certamente, muito menor.
Por falar em Elaine Matozinhos, fica aqui um recado para a vereadora: a liberdade de expressão, que garantiu à vereadora o direito de fazer uso da palavra em um órgão público para suas imprecações raivosas e o direto ao voto, que a colocou em seu atual cargo, são, ambos, Direitos Humanos.
A defesa dos Direitos Humanos é uma simples questão de raciocínio lógico e de humanidade e discursos como os da vereadora só servem para desviar o foco do verdadeiro problema: a pouca atenção que tem sido dada a esses direitos por nossos órgãos políticos. Contra isso sim, vale a pena discursar.
** Pedro Munhoz é (@pedromunhoz5) advogado e historiador. Escreve no Bhaz às quartas-feiras.
*Mariadapenhaneles

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