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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, junho 02, 2013

A catimba e o recalque do homofóbico

Foi-se o tempo em que a homofobia só escutava eco e aplausos. Agora tem vaia
Foi-se o tempo em que a homofobia só escutava eco e aplausos. Agora tem vaia
Foto: internet

Por Miguel Rios

O que dói no homofóbico é a derrota que se amplia. De goleada. Dói é a torcida adversária comemorar mais alto, enquanto ele, defasado, sai de fininho do estádio. Sai de nariz em pé, mas de alma cabisbaixa. Resta-lhe passar recibos com aquele discurso de Facebook já desmascarado, embalado naqueles quadradinhos de diagramação tosca. Arde nele ver famílias LGBTTs cada vez mais aí, sem timidez, sem medo, com direitos, aceitas, felizes.
Dói no homofóbico é perceber que deu em nada empurrar um hipócrita oportunista na presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal. Chateou o outro lado e aumentou a vontade e a perseverança de ir à luta. Protesto dia a dia.
Enche ele de ódio ver o Conselho Nacional de Justiça dar mais um passo à frente. Casamento civil aprovado. Aquela histeria de fim da família, de apocalipse antecipado, cansou, provou ser papo burro, de fanático. Vários países foram na mesma direção e nenhuma notícia de que a população enveadou, sapatizou, se acabou.
Previsões fracassadas, superadas. Tanto quanto as de que o divórcio destruiria a estrutura das pessoas, de que casamentos inter-raciais manchariam a integridade da nação. As pessoas se adaptaram, sobreviveram, miscigenaram, seguiram suas vidas. Descobriram novas formas de amar, de se relacionar.
Agride o homofóbico saber que uma transexual é diretora de escola infantil no Paraná, eleita pela comunidade, e vai, muito bem obrigada, no cargo. Que os alunos a enxergam como educadora e, tudo bem, trans.
Arde ainda mais ver que os amigos héteros dos gays continuam héteros. Os simpatizantes, os que ele julgava mal assumidos, são cada vez mais em número, em engajamento, sem interesse algum em troca-troca, somente brodagem, consciência. Dói no homofóbico notar que o isolamento é algo tão dele.
Amedronta um homofóbico que em breve deve surgir a campanha: Salve um homofóbico da própria heterofobia. É ele quem teme pelo fim de sua orientação.
Apenas ele a acha uma farsa, sem força para resistir à libertação das outras. Somente ele crê que a humanidade será extinta, que há uma apologia ao arco-íris, que um kit antipreconceito escolar é uma conspiração gay para hipnose coletiva das crianças brasileiras.
Tira o tapete enxergar que o jeito hétero de andar, de vestir, de falar, de se portar deixou de ser o correto e único. Se um cara usa saia, vai para a faculdade e é vítima de chacota,  outros caras, dos mais diversos, se unem e usam saia juntos para defendê-lo.
Dói no homofóbico surrar, quebrar lâmpadas na cara e presenciar socorro, testemunhas a favor da vítima, prisão e processo. Magoa saber que não é mais a última voz, que comunga com o pensamento geral, o vingador dos bons costumes.
Não é mais o superior e inquestionável. Tem revide. Tem cobrança. Tem gente, muita gente, falando contra do outro lado. Têm até grandes marcas abraçando a causa: American Express, Coca-Cola, Itaú, Smirnoff, Halls. Acabou a solidão e a conformação do homo oprimido de que “o mundo é assim mesmo, sou o errado, nada posso fazer”.
O homofóbico estrebucha diante dos LGBTTs que deixaram de ser domesticados, pacatos, submissos. Espanta-se por seu comportamento de tirano bonzinho não enganar mais.
Aquela frase “eu não sou preconceituoso, mas...” já está manjada, desacreditada. O “mas” denuncia. A maciez que vem antes é balela, mero escudo decorativo para esconder a face raivosa e fazer de conta que o que vem depois é sensatez, um conselho para a melhor convivência. O que vem depois? Coisa do tipo: “gays não deveriam expor as pessoas à sua conduta”, “tanta exibição só prejudica que as famílias compreendam os homossexuais”. Traduzindo: “se ajoelhe e me reconheça como o maioral”.
O homofóbico se coça por gays e lésbicas terem entendido que liberdade é conquista e não doação. Que se ficassem acomodados aos bons modos héteros, não sairiam do canto, seriam sempre os injustiçados e roubados, aqueles a quem se dá bom dia, que até se aperta a mão, mas que nunca se deixa perto das crianças por muito tempo. As migalhas de carinho e aceitação ganharam o real sentido do “Unhum! Me engana que eu gosto. Senta lá, Cláudia”.
A urticária homofóbica aumenta quando a teoria da ditadura gay é varrida para o lixo. Quem humilhou  primeiro? Quem ditou primeiro as regras? Não busca em uma criança sua orientação sexual. Determina-se: menino é macho, menina é fêmea. A ditadura do “meu filho nunca, prefiro morto”.
Atitude de menino boa é coçar o saco, falar de futebol e de mulher nua. Boa menina é virginal, meiga e louca para casar, comandar o lar







Quem segregou primeiro? Se o garoto dá pinta não é para os outros andarem com ele. Se há casal gay na novela não é para  assistir. Comercial bom é o que tem papai, mamãe e os filhinhos. Atitude de menino boa é coçar o saco, falar de futebol e de mulher nua. Boa menina é virginal, meiga e louca para casar, comandar o lar.
É uma trilha retilínea, férrea. E o trem, que atropelou por muito tempo, ainda atropela, ainda ofende, proíbe, espanca e mata. Não se é morto, expulso de casa, achincalhado na rua por ser hétero, já por ser homo... Ditadura de quem mesmo?
Mas o homofóbico quer inverter e falsear realidades, se fazer de vítima, de perseguido, de tolhido em sua expressão. Quem disse que ele não pode falar? Ele não pode é falar sozinho, ser a última palavra como quer e se acostumou a ser. Têm respostas. Respostas que lhe irritam os ouvidos.
Foi-se o tempo em que a homofobia só escutava eco e aplausos. Agora tem vaia. Tem frustração e gozação pelas fajutas tentativas de orgulho hétero, atos de nenhuma coragem, nenhuma contestação, de uma luta sem metas, sem valia, com beijaços  públicos também conhecidos como cotidiano.
O homofóbico se dói pelo descrédito que ele próprio fabrica. Ele se machuca por recalque, esse misto de ódio e paranoia, de placar contrário aos 45 do segundo tempo. Jogo perdido. A dorzinha dele é contusão boba, quando não fingida, para impressionar o juiz. Catimba. Cartão amarelo e Gelol resolvem.
 NE10
*Mariadapenhaneles

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