A mídia burguesa, o transporte público e os escravos da casa
Por Carlos Everardo Silva
O
Brasil está vivendo um momento de extrema importância para as lutas
populares. Uma onda de cidadania tomou conta do país. Não a cidadania em
seu sentido burguês, mero sinônimo de conjunto de direitos e deveres.
Mas a cidadania plena, que não se limita a agir dentro dos limites da
ordem estabelecida, que vai além, questionando o próprio sistema. A
série de protestos contra o aumento dos preços das passagens nos faz
lembrar dos conflitos sociais que há alguns anos vem se espalhando pelo
mundo.
A
mídia capitalista começou por menosprezar o movimento de protestos
contra o aumento das passagens, na tentativa de evitar que a população
se sentisse envolvida pelas lutas sociais. Mas o movimento não podia ser
ocultado por muito tempo. Rapidamente ele se espalhou pelo país.
Inspirados pelas revoltas que se desenvolvem pelo mundo, os
manifestantes ocuparam as ruas com gritos de protestos, faixas, cartazes
e ações diretas baseadas em desobediência civil.
Como
já não podia esconder os protestos, a imprensa corporativa passou a
lançar uma série de ataques aos manifestantes, na tentativa de
demonizá-los. De fato, a mídia baseia suas atividades em três
fundamentos: desinformação, mentira e criminalização. Para os barões
midiáticos e seus jornalistas mercenários, tratava-se agora de lutar
pela criminalização daqueles que lutam por seus direitos.
Quem
acompanha jornais, portais e telejornais, tem visto a maneira imoral
como a imprensa tem transmitido os protestos legítimos, tratados por ela
como puro vandalismo de "jovens de classe média que não valem nem vinte
centavos", nas palavras do capanga midiático Arnaldo Jabor.
É
interessante notar como, de repente, as classes sociais passam a ter
importância no discuso da direita quando o conceito serve aos seus
interesses, como se a classe média também não sofresse com os males
causados pelo sistema vigente. A verdade é que, para a direita, não faz
qualquer sentido que pessoas com alguns poucos privilégios participem de
ações em defesa dos interesses dos menos favorecidos. Para os
conservadores e liberais, o egoísmo é o que move o ser humano. Essa é
sua natureza. Logo, se alguém participa de algo, só pode estar agindo em
favor de seus interesses mesquinhos. Não entra na cabeça da direita que
o mundo não é um livro da Ayn Rand [1], que algumas pessoas são capazes
inclusive de ir contra seus próprios interesses de classe para defender
quem precisa urgentemente de ajuda.
Também
é interessante notar como a mídia passou, da noite para o dia, a se
preocupar com o patrimônio público, denunciando os supostos atos de
vandalismo que ocorrem durante os protestos. Sim, a mesma mídia que
apoiou o processo de privatizações do governo FHC. A mesma imprensa que
defendeu e defende até hoje a venda de empresas públicas a preço de
banana. Essa mídia, magicamente, passou a se preocupar com o patrimônio
público. Não pode haver nada mais hipócrita.
Ver a mídia capitalista criticando a "destruição do patrimônio público" nos protestos contra o aumento das passagens é assistir a um show de piadas. Se tem uma coisa que nossa mídia não ajuda a preservar, é o nosso patrimônio público. Não caiam nessa. Nenhum possível dano ao patrimônio público resultado dos protestos chega sequer aos pés dos danos que os porcos donos das empresas de transporte causam ao povo. Deve haver apoio incondicional às manifestações.
Ver a mídia capitalista criticando a "destruição do patrimônio público" nos protestos contra o aumento das passagens é assistir a um show de piadas. Se tem uma coisa que nossa mídia não ajuda a preservar, é o nosso patrimônio público. Não caiam nessa. Nenhum possível dano ao patrimônio público resultado dos protestos chega sequer aos pés dos danos que os porcos donos das empresas de transporte causam ao povo. Deve haver apoio incondicional às manifestações.
Outra coisa me chamou bastante atenção. Ao
assistir e ler sobre os conflitos entre policiais e manifestantes, me
veio a mente um comentário atribuído ao grande revolucionário e
ativista pelos direitos civis Malcolm X. Em seu comentário, Malcolm
faz uma crítica arrasadora à minoria de afro-americanos que se
comportavam como capangas da elite branca e endinheirada dos EUA,
indo contra as lutas e interesses do movimento negro.
Malcolm
compara tal situação com a época da escravidão. Segundo ele, os
escravos se dividiam em duas categorias: os escravos da casa e os
escravos do campo. Os primeiros possuíam algumas regalias. Não
tinham que trabalhar o dia todo no campo. Estavam mais próximos de
seus senhores. Enquanto os escravos do campo sofriam executando
trabalho pesado, dormiam na senzala e não possuíam qualquer
conforto, os da casa tinham acesso a algumas poucas migalhas. Sim,
poucas. Mas suficientes para gerar neles a ilusão de que eram
diferentes. O bastante para criar neles um sentimento de lealdade em
relação aos seus donos.
Quando
os escravos do campo armavam uma fuga, os escravos da casa se
recusavam a participar da ação, porque simplesmente não viam
motivos para abandonar seus “mestres”. “Por que fugir”?
“Temos tudo aqui”. “O que pode ser melhor do que isso”? Na
mente deles, pelo menos em comparação com a situação dos que
trabalhavam no campo, suas vidas não eram tão ruins assim. Não se
sentiam explorados. Alguns talvez até se sentissem parte da família
de proprietários. Quando seus donos adoeciam, eles diziam: “nós
estamos doente”. Eles não se viam como indivíduos, com
personalidade, desejos e vontade própria. Se viam como uma extensão
de seus senhores.
Malcolm
termina dizendo que os afro-americanos capangas da burguesia branca
eram os novos escravos da casa. Por se encontrarem em uma posição
mais próxima de seus senhores, eles já não se viam mais como parte
do movimento negro. Faziam o jogo dos opressores. Estavam felizes em
atacar os seus próprios irmãos em defesa dos interesses da
plutocracia.
Pois
bem, os policiais são os nossos escravos da casa. Sim, eles fazem
parte da massa explorada pela elite econômica corrupta e sua casta
auxiliar, a burocracia estatal. Entretanto, por estarem mais próximos
aos donos do poder. Por fazerem parte do Estado, acabam não se
identificando com os escravos do campo, aquela parte da massa
explorada que não está próxima dos “seus donos”. Eles recebem
péssimos salários. Trabalham em condições precárias. Mas, por
algum motivo, sentem prazer em obedecer às classes opressoras. Acham
que não há nada melhor do que isso. Acreditam firmemente que
defender os opressores é a coisa certa. São armas nas mãos das
elites dominantes. Não querem se voltar contra seus senhores, porque
pensam fazer parte da “família de proprietários”. Mas não
fazem. Não, não fazem. São apenas idiotas úteis. Para os
opressores, eles não passam de instrumentos descartáveis.
Mesmo
assim, eles não acordam. Vão continuar a defender os exploradores.
Só resta torcer para que um dia eles percebam que um escravo, mesmo
que more na casa de seu senhor, continua sendo um escravo. Enquanto
isso não ocorre, os escravos do campo, a imensa massa de
trabalhadores explorados, devem vê-los como inimigos. Sim, eles são
inimigos. Assassinos de seus próprios irmãos.
Aos que
acreditam que é possível construir um mundo melhor. Aos que, como eu, se
posicionam ao lado das classes exploradas, não resta outra opção, a não
ser o apoio incondicional ao movimento. Qualquer
ação contra o sistema, por menor que seja, é válida. É o conjunto das
lutas que determinará o resultado final. Devemos apoiar todas as
reivindicações das lutas populares, mesmo que, para nós, tais
reivindicações não pareçam de grande importância na luta contra o
sistema capitalista e seu modelo político corrupto e burocratizado. Não
sou eu nem você que decide quais lutas são importantes, é o próprio
movimento, é a própria realidade social, como aparece aos olhos de quem
analisa o mundo sem mistificações.
[1] http://pt.wikipedia.org/wiki/Ayn_rand
[1] http://pt.wikipedia.org/wiki/Ayn_rand
Posted 4 days ago by Carlos Everardo Silva
*centrodosocialismo
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