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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, junho 02, 2013

Cuba

O turismo es la revolución

A Ilha aposta nos visitantes, principalmente brasileiros, para realizar sua transição econômica
por André Barrocal

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Cuba
Mercado quase livre. Os cubanos agora podem abrir pequenos negócios e comercializar automóveis
Por André Barrocal, de Havana
Gastador, o turista do Brasil é cobiçado pelo resto do mundo, seja pela porção desenvolvida e em crise no planeta, seja pelos emergentes e paraísos tropicais em busca de novos recursos. Há um bom motivo: em 2012, os brasileiros consumiram 22 bilhões de dólares no exterior. Em Cuba não é diferente. A ilha socialista sonha com o nosso viajante para levar a cabo o projeto de reforma econômica. Em junho o governo cubano abrirá no Brasil um escritório da Havanatur, estatal que vende pacotes turísticos, e em julho começará a operar um voo semanal entre São Paulo e Havana, por meio da Cubana de Aviación.
Vários motivos justificam a estratégia, segundo Luis Felipe Aguilera Gutierrez, chefe da área do Cone Sul do Ministério do Turismo de Cuba. O mais importante é o Brasil ainda gerar emprego e renda, apesar da crise global. Também pesam as boas relações políticas estabelecidas no governo Lula e preservadas com Dilma Rousseff. E o fato de o País ser hoje o maior investidor na economia cubana (ao todo, 2 bilhões de dólares). “Interessa-nos o turismo massivo, inclusive para que mais brasileiros vejam com seus próprios olhos qual é a realidade de Cuba.” No ano passado, 2,8 milhões de estrangeiros testemunharam essa realidade, mas só 16 mil eram do Brasil.
Para seduzir os brasileiros, Cuba aposta no sol e no mar. Sobretudo nas praias do Balneário de Varadero, principal polo turístico local. Mas também pode se beneficiar de uma espécie de turismo político, e neste caso o charme está na capital, Havana. “Cuba tem carisma para os brasileiros com mais de 40 anos”, diz Gastão Vieira, ministro do Turismo do Brasil.
O “carisma” é inspirado pela revolução socialista de Fidel Castro e Che Guevara, ainda capaz de embalar o imaginário latino-americano e sonhos de igualdade e justiça social. Independentemente do público-alvo, o atual estímulo ao turismo, setor responsável por 300 mil empregos e 6% do PIB, “está inserido na atualização do sistema econômico”, segundo o ministro da pasta, Manuel Marrero Cruz.
Os rumos da “atualização” foram definidos nas Linhas da Política Econômica e Social do Partido e da Revolução aprovadas em abril de 2011 pelo VI Congresso do Partido Comunista. São duas as premissas básicas. Abrir espaço para investimentos estrangeiros e pequenos negócios privados – os grandes setores permanecem sob controle estatal. E incentivar o empreendedorismo dos cidadãos.
O país de 11,5 milhões de habitantes contabiliza cerca de 160 mil negócios por conta própria, entre artesanato, livrarias, táxis, bares, salões de beleza e restaurantes, conhecidos como “paladares”, por causa de uma novela brasileira da década de 1980. Desde 2012, o governo subsidiou, com o equivalente a 50 milhões de reais, 33 mil cidadãos interessados em construir ou reformar suas casas e apartamentos. O programa deu certo, e a partir de junho o limite do subsídio será ampliado, pois os cubanos foram autorizados a vender os imóveis, antes cedidos pelo Estado apenas para moradia.
Embaixador do Brasil em Cuba desde o fim de 2010, o diplomata José Felício é testemunha das mudanças e diz que elas são visíveis no cotidiano. Há maior oferta de alimentos nos mercados, afirma, os pequenos negócios se multiplicam e o trânsito piorou – a exemplo dos imóveis, os veículos também já podem ser transacionados entre cubanos, o que aumentou a frota nas ruas.
O número de automóveis não apenas cresceu, como tem começado a se renovar. Em Havana, alguns carros mais novos, principalmente conduzidos por taxistas, misturam-se à frota que faz as ruas da capital parecer uma locação de um filme dos anos 1950. Além disso, os prédios públicos históricos passam por reformas. O objetivo é atrair mais turistas. “Há mais estrangeiros e capital externo”, constata um jovem vendedor de livros, herdeiro de uma livraria em Havana Velha.
Os novos tempos alimentam ambições materiais dos cidadãos, algo que o governo evitou durante 50 anos com uma economia planejada para suprir as necessidades básicas, não para produzir riqueza. Quando deu o primeiro empurrão no turismo, nos anos 1990, Cuba criou um universo paralelo só para estrangeiros, com moeda e hotéis próprios, na esperança de blindar a população contra “tentações capitalistas”, entre elas o acesso a roupas de grife e celulares. Com o impulso de agora ao setor, isso também mudou. O cubano pode usar a moeda e os hotéis dos gringos e até viajar ao exterior, o que antes era proibido. “Estamos corrigindo alguns erros, mas essas mudanças reforçam o socialismo. Elas estão sendo feitas para melhorar a qualidade de vida da população”, acredita Marrero Cruz.
Qualidade de vida já alta, segundo um indicador das Nações Unidas que combina renda, saúde e educação. No Relatório do Desenvolvimento Humano 2013, divulgado em março deste ano, Cuba aparece na posição 59ª, entre 187 países. Faz parte do bloco de nações de nível “elevado”. A Ilha, assinala a ONU, é a nação que proporciona mais desenvolvimento humano com menos dinheiro. No quesito renda per capita, Cuba está fora da lista dos cem primeiros.
É o que explica Cuba ser um país pobre, pelo critério da renda, mas um dos 16 onde não há fome, de acordo com a agência das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura, a FAO, que em sua conferência de junho vai propor ao mundo a meta de erradicar o problema. A renda per capita equivale a 900 reais mensais, metade da brasileira, segundo o relatório da ONU. O salário médio é de 300 pesos mensais, informa uma guia turística, o equivalente a 27 reais, dinheiro que os cubanos usam basicamente para pagar serviços públicos como luz e ônibus, de tarifas subsidiadas.
As reformas em processo de implantação têm potencial para fazer o bolso de alguns cubanos – os que arranjarem bons empregos privados, por exemplo – engordar mais do que o de outros. O resultado óbvio será um aumento da desigualdade, mas o governo, que modificou a legislação trabalhista para eliminar o igualitarismo salarial, impôs limites máximos aos vencimentos na tentativa de conter esse efeito. E só vai subi-los à medida que a renda do conjunto da população crescer no mesmo ritmo. O tempo dirá se é possível manter essa política.
As empresas brasileiras estão entre os responsáveis por pressionar os salários. A maior e mais cara obra em Cuba é executada pela empreiteira Odebrecht e recebeu 700 milhões de dólares de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. Orçado em quase 900 milhões de dólares, o porto de Mariel começou a ser construído em 2010, está 78% concluído e deve ficar pronto em janeiro de 2014. Será o centro de uma zona industrial voltada para exportações e deve contar com a presença de Dilma Rousseff na inauguração.
No início de maio, os ministros de Comércio Exterior de Brasil e Cuba assinaram um acordo para que a mesma Odebrecht reforme e modernize cinco aeroportos na ilha. O BNDES emprestará ao projeto outros 170 milhões de dólares. A construtora, que opera em Cuba sob o nome de Companhia de Obras em Infraestrutura, também é favorita para montar um gasoduto de 1,5 bilhão de dólares que vai abastecer o polo industrial de Mariel. Neste caso, enfrenta a concorrência chinesa, e ainda não há uma decisão do governo cubano sobre o vencedor.
A principal contrapartida são as importações. Sobretudo de alimentos, como soja, carne, arroz, milho e café, responsáveis por mais da metade dos embarques brasileiros para Cuba. O lucro do Brasil no comércio com a Ilha cresceu oito vezes em uma década e atingiu 470 milhões de dólares em 2012. Segundo Hipólito Rocha Gaspar, diretor do escritório aberto pela Agência de Promoção de Exportações e Investimentos em Havana em 2008, o País tem todas as condições de ultrapassar a China e se converter no maior parceiro comercial cubano. “O empresário brasileiro é muito conservador, não gosta de riscos. Se está entrando aqui, é porque a situação está boa.”
Entre as companhias nacionais que descobriram Cuba está uma fabricante de vidros. A empresa vai construir uma subsidiária na Ilha para fornecer ao Brasil material atualmente comprado na China. O investimento é estimado em 250 milhões de dólares. Já a Brascuba, sociedade de 1995 entre a produtora de cigarros Souza Cruz e uma estatal cubana de tabaco, planeja a primeira expansão em 18 anos, para dobrar a capacidade.
*Cartacapital

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