Danuza é emblema da crise estrutural da mídia
Demissão da colunista de elite da
Folha de S. Paulo vem acompanhada de dezenas de cortes no jornal da
Barão de Limeira; Editora Abril pronta para iniciar processo de
enxugamento de até 10% de seu pessoal; Estadão, onde o também demitido
Nelson Motta acusou internautas de "relincharem", definha em praça
pública; Valor, joint venture Folha-Globo, diminui redação; com
monopólio no Rio, família Marinho preserva as Organizações Globo, mas
não se sabe até quando; informação livre pela internet promove
devastação nas estruturas arcaicas da mídia tradicional, na qual o
patronato não acompanhou avanço tecnológico, menosprezou busca pela
notícia e fez veículos trombarem editorialmente com a nova opinião
pública
As torres de papel da mídia tradicional estão caindo. Uma a uma. A
informação livre em circulação pela internet, mídia que todos os
números e pesquisas apontam como a de maior e mais rápida ascensão
entre o público brasileiro, fustiga os alicerces nada sólidos daquela
que já foi chamada "grande imprensa". Os custos de operação, as
dificuldades logísticas e a falta de visão de presente e futuro dos
líderes de negócios dos jornais e revistas – obnubilada na fixação pelo
passado - formam o conjunto responsável pela debacle. Um processo
acelerado pela miopia ideológica da famílias detentoras aplicada às
linhas editoriais de cada veículo, todas elas convergentes a um
conservadorismo pulverizado em praticamente todas as seções
jornalísticas – Política, Economia, Cidades, Esportes etc. Um atraso que
quebra a sincronia das rotativas com a visão de mundo mais ampla e
plural do leitor atual. Um fracasso contratado.
A demissão da colunista de elite Danuza Leão, da Folha, revelada nesta
quinta-feira 6, é emblemática da situação de crise estrutural da mídia
de papel. Em seus livros, Danuza sempre se apresentou como uma
socialite cheia de bons conselhos a dar, mas, pouco a pouco, em seu
espaço no diário da família Frias, foi empunhando a pá ideológica que
cavuca o fosso sempre profundo que separa ricos de pobres, emergentes de
quatrocentões. Foi perdendo, a cada golpe, atratividade de leitura,
acumulando adversários entre os leitores, diminuindo, assim, pelas
opiniões isoladas do resto do mundo, sua razão de estar ali, tratada a
pão-de-ló por 12 anos. Não precisava, neste sentido, a colunista ter
troçado dos leitores, reclamando da democratização das viagens pelo
exterior, de modo a lamentavelmente ser possível encontrar o porteiro de
seu próprio prédio em lazer em Paris (aqui)!
DESCOLAMENTO DO PÚBLICO
Danuza, no entanto, não é a única a padecer neste momento. Entre
jornalistas, comenta-se que ela apenas entrou no corte de cerca de 40
profissionais promovido pela Folha ao longo desta semana. Um
"passaralho", como se diz na categoria profissional, que vai sendo
baixando aos poucos, já há alguns meses, na redação do concorrente
Estadão. Ali, um famoso colunista que rodou foi o crítico musical
Nelson Motta. O mesmo fenômeno de descolamento em relação ao público
ocorreu com ele.
Ao longo de sua história de quase 50 anos em torno da música e do
entretenimento, Nelsinho, como é chamado, construiu uma imagem de
simpatia. Bastou, porém, ter seu próprio espaço emoldurado num jornal
conservador, para se deixar contaminar pelo entorno. Ao comentar os
posts de leitores de 247, onde a expressão é livre e aberta, de
modo a que cada posição seja conhecida e, nessa medida, respeitada e
discutida, Nelsinho registrou que só ouvia "relinchos". Foi escorraçado
nas mídias sociais (aqui). Sem escalas, trocou uma posição de queridinho por tantos para a de ridicularizado por muitos mais. Dançou.
HORA DA ABRIL
Na maior editora de revistas da América Latina, a situação promete ser
ainda mais dramática. Reconhecia-se entre a diretoria, meses antes da
morte do presidente Roberto Civita, a necessidade de promover mudanças
internas que produzissem uma economia de até R$ 100 milhões anuais em
custos. Civita, ciente da imagem de superioridade que a Abril sempre
prezou, barrou até o final as propostas de profundos cortes de pessoal
que pousaram em sua mesa. Agora, porém, sob a direção de seu filho
Giancarlo, o prognóstico entre os profissionais da empresa é que se
inicie uma verdadeira Noite de São Bartolomeu, na qual até 10% dos mais
de nove mil funcionários da organização poderão ser degolados. Com 52
revistas em seu portfolio atual, habitando um prédio com mordomias como
piscina que lhe custa estimados US$ 1 milhão mês, a Abril só encontra
lucro em uma ou outra operação, jamais em todas. É provável, assim, que
títulos desapareçam. No carro-chefe Veja, cuja redação quintuplicou de
tamanho nos últimos quinze anos, sem que o mesmo acréscimo tivesse se
dado em seu conteúdo jornalístico, ao contrário - há cada vez menos
notícia, cada vez mais editorialização -, as aparências devem ser
mantidas. Isso, entretanto, ainda é incerto.
Na mídia especializada, como o jornal Valor Econômico, a crise
estrutural também já se achega. Produzir a partir do zero, todos os
dias, redigir, editar, diagramar, imprimir e distribuir um jornal custa
muito caro, até mesmo para um veículo que, na prática, detém o
monopólio da publicidade legal no País. Quando a coluna do lucro começa
a ter números encolhidos, a alternativa empresarial é, salvo
raríssimas exceções, enxugar a folha de pagamentos. É o que está
acontecendo lá, onde vagas estão sendo congeladas e vínculos
empregatícios formais vão sendo substituídos por mão de obra sazonal.
Barbeiragens empresariais se somam ao grave momento da mídia
tradicional. Na Record que tirava quadros da Globo a preço de ouro e
bateu a emissora dos Marinho na cara disputa pelas Olimpíadas de
Londres, a conta chegou na forma de 400 demissões apenas esta semana.
INTERNET QUEBRA RECORDES
Enquanto isso, a audiência na internet quebra recordes dia a dia,
provocando uma saudável disseminação de informações por meio de
jornais, revistas, tevês e blogs especialmente criados para este
veículo de alta velocidade, farta concorrência e vasto acesso. Cria-se
aqui um ambiente de briga de mãos limpas, honesta, onde os "sem
rotativa" e os "sem antena" passam a ter iguais condições de disputar o
interesse do leitor, a atenção das fontes, o respeito do mercado
publicitário e, sobretudo, adquirem influência no circuito que nasce
com bases populares e alcança os formadores de opinião.
Os tempos estão mudando. A mídia tradicional descobriu, na última hora,
que o passado não mais é capaz de corrigir seus excessos corporativos,
erros gerenciais e choques com uma nova e numerosa classe de leitores.
Pagam pelo desastre comercial provocado pela soberba os profissionais
que ajudaram a construir cada uma dessas máquinas. É o capitalismo em
estado bruto mostrando sua velha e vincada face assustadora.
No 247*Saraiva
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