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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, junho 18, 2013

Darmos um fim ao pesadelo capitalista será uma tarefa coletiva; idem, a reconstrução da sociedade por cima dos escombros da exploração do homem pelo homem.

BLITZKRIEG SOBRE SAMPA: O XÍS DA QUESTÃO

A imprensa e os políticos reagiram exatamente como esperado à violência extrema que a Polícia Militar paulista desencadeou contra manifestantes, jornalistas, transeuntes e até fregueses dos botecos na  5ª feira negra: houve os que protestaram, houve os que justificaram, ordenaram-se investigações e é provável que um ou outro gato pingado venha a ser punido. Depois, o esquecimento.

Inconcebivelmente, nem a própria Folha de S. Paulo deu a devida importância à contundente denúncia do seu renomado colunista Elio Gaspari, de que  tudo transcorria de forma pacífica até que duas dezenas de policiais engendraram o caos:
"Num átimo, às 19h10, surgiu do nada um grupo de uns 20 PMs da Tropa de Choque, cinzentos, com viseiras e escudos. Formaram um bloco no meio da pista. Ninguém parlamentou. Nenhum megafone mandando a passeata parar. Nenhuma advertência. Nenhum bloqueio...
Em menos de um minuto esse núcleo começou a atirar rojões e bombas de gás lacrimogêneo... 
Atiravam não só na direção da avenida, como também na transversal..."
Em outras palavras, foi a provocação  da tropa de choque que deflagrou as agressões e o descontrole policial.

Então, o que tem mesmo de ser investigado é o seguinte: quem deu a ordem para eles agirem desta forma, e por quê?

Pois vários episódios anteriores já demonstraram que há uma  linha dura  dentro da PM, articulada em torno da Rota e composta por oficiais que tiveram a cabeça feita pela ditadura militar e até hoje atuam com espírito de Gestapo e não de polícia democrática.

Se nada for feito para identificar e expor esta corrente, outras provocações  virão, pois seu objetivo último é o de minar a democracia, abrindo caminho para um novo golpe de Estado. 
Acredito que valha a pena tornar mais conhecida uma resposta que dei no site do CMI (vide aqui) a um comentarista sectário e desrespeitoso para com o Jacob Gorender, a quem acusou de haver  jogado a toalha  quando defendeu a necessidade de um estado democrático, ao invés da abolição pura e simples do estado.

A frase que ele citou do Gorender, de 2006, foi a seguinte:
"Eu considero que o Estado não vai desaparecer. A sociedade moderna é de tal maneira complexa, constituída de segmentos, não só de classes sociais, mas são os idosos, os homens, as mulheres, os profissionais de várias áreas, a diferença entre países. Quer dizer, tudo isso exige uma escala de prioridades. E quem é que vai tomar a iniciativa disso? É necessário um órgão superior que é o Estado. E que seja um Estado democrático, obviamente. Por isso eu falo em democracia..." 
Preferi não partir para o bateboca costumeiro nesses fóruns virtuais, aproveitando, isto sim, a oportunidade para aprofundar o fulcro da questão. Creio que as colocações abaixo contribuem para a reflexão sobre caminhos possíveis para a esquerda, agora que os trilhados no século passado parecem definitivamente exauridos.

O ESPONTANEÍSMO PODERÁ TER UM NOVO PAPEL?

O Gorender, como eu, procurou uma alternativa ao esgotamento dos modelos revolucionários do século passado. Mas, ao erigir coletivos minoritários, conjugados, como o novo sujeito da revolução, parece-me ter superestimado o poder de fogo e a disposição para atuação conjunta dos comunistas, anarquistas, gays, militantes ambientais, feministas, idosos, negros, desempregados, estudantes engajados, jovens revoltados, adeptos da descriminalização da maconha, etc., etc. 

De certa forma, ele apenas substituiu o proletariado por essa espécie de   sujeito revolucionário múltiplo, mas manteve os  conceitos tradicionais, inclusive o da necessidade de uma vanguarda  regendo a orquestra  ao longo do processo, e também de um estado, ainda que democrático.

Partindo da mesmíssima constatação --a de que nossos desafios atuais exigem uma mudança profunda de estratégia e táticas--, eu cheguei à conclusão de que a era da internet faculta um novo tipo de  espontaneísmo, com o Movimento do Passe Livre, os Occupy, os escrachos de ex-torturadores e outros protestos articulados pela web, as respostas imediatas às medidas autoritárias (proibição da Marcha da Maconha) e a posicionamentos antipáticos (churrascão da gente diferenciada), etc.

Isto tudo não irá muito longe em circunstâncias normais, pois a indústria cultural vai continuar mesmerizando seus públicos, sem que tenhamos como furar o bloqueio e fazer a consciência penetrar nas grandes massas bovinizadas (pois submetidas à lavagem cerebral ininterrupta do sistema). 

Mas, com o agravamento da crise econômica capitalista e das catástrofes ambientais decorrentes das alterações climáticas, em meio ao caos que vai se estabelecer e à indignação dos viciados no consumismo quando sua  droga  escassear e eles sentirem os rigores da abstinência, poderá, sim, abrir-se uma  janela revolucionária

Então, esses grupos que desde já lutam nas ruas, com a experiência acumulada nos muitos confrontos que até então travarão, talvez somem forças para oferecer uma alternativa à sociedade. Ou seja, a vanguarda seria mais ou menos a que o Gorender anteviu, só vindo, contudo, a afirmar-se na fase superior, decisiva, da luta.  Por enquanto, os coitadezas por quem os manifestantes paulistanos lutam continuarão vendo-os como vândalos, pois assim falava Globotustra...

Na hora da verdade, contudo, estará em jogo a própria continuidade da espécie humana, que o capitalismo conduz diretamente à extinção.  Vamos torcer para que o instinto de sobrevivência, no frigir dos ovos, fale mais alto.

Por último: depois de tudo isto, haveria, com certeza, condições para substituir-se o estado pela democracia direta. Mas, difícil mesmo é chegarmos até lá. 

Então, não há por que nos digladiarmos desde já em intermináveis arranca-rabos sobre  o que virá depois

Darmos um fim ao pesadelo capitalista será uma tarefa coletiva; idem, a reconstrução da sociedade por cima dos escombros da exploração do homem pelo homem. Se as pessoas conseguirem se libertar dos grilhões atuais, decerto encontrarão, no momento certo, os melhores caminhos para a instauração de uma sociedade de homens livres, igualitária e justa.
 

PM BARBARIZA O CENTRO DE SÃO PAULO

Nunca me senti tão velho como nesta 5ª feira (13), quando, acamado com forte gripe, só fiquei sabendo pela mídia e pelas redes sociais que a Polícia Militar barbarizara o centro de São Paulo, reprimindo bestialmente os manifestantes que (até então) protestavam pacificamente contra o aumento das tarifas de transporte coletivo.

Foi a confirmação do que venho alertando há anos (vide aqui, p. ex.): está em curso uma escalada de fascistização em São Paulo, orquestrada pelo governador  Opus Dei  Geraldo Alckmin, com a cumplicidade de figurinhas carimbadas como o reitor  TFP  João Grandino Rodas (da USP) e tendo como principais provocadores os brucutus da tropa de choque da PM, vulgo Rota (aquela que se orgulha de ter coadjuvado o terrorismo de estado nos  anos de chumbo, que é sempre denunciada pelas entidades internacionais de defesa dos direitos humanos por suas execuções maquiladas em  resistência à prisão e que os vereadores paulistanos da  bancada da bala  querem homenagear com uma salva de prata).
A aposta dessa gente é numa nova ditadura. E, se o governo federal a continuar subestimando, o ovo da serpente vai ser chocado até que uma crise de maiores proporções crie um cenário favorável à sua eclosão. Os petistas parecem gostar de viver perigosamente; eu detesto saber que há uma lâmina de guilhotina pendente sobre minha cabeça.

Como estive ausente do palco dos acontecimentos, prefiro não produzir um relato jornalístico da nova  blitzkrieg

Sirvo-me, então, dos principais trechos do depoimento do jornalista e historiador Elio Gaspari, colunista da Folha de S. Paulo e de O Globo, que me pareceu o mais satisfatório da grande imprensa. 
A PM COMEÇOU A BATALHA DA MARIA ANTÔNIA

Quem acompanhou a manifestação contra o aumento das tarifas de ônibus ao longo dos dois quilômetros que vão do Theatro Municipal à esquina da rua da Consolação com a Maria Antônia pode assegurar: os distúrbios de ontem começaram às 19h10, pela ação da polícia, mais precisamente por um grupo de uns 20 homens da Tropa de Choque, com suas fardas cinzentas, que, a olho nu, chegaram com esse propósito. Pelo seguinte:
Bala de borracha da PM atingiu esta repórter no olho
Desde as 17h, quando começou a manifestação na escadaria do teatro, podia-se pensar que a cena ocorria em Londres. Só uma hora depois, quando a multidão engordou, os manifestantes fecharam o cruzamento da rua Xavier de Toledo.
Nesse cenário havia uns dez policiais. Nem eles hostilizaram a manifestação, nem foram por ela hostilizados.

Por volta das 18h30 a passeata foi em direção à praça da República. Havia uns poucos grupos de PMs guarnecendo agências bancárias, mais nada. Em nenhum momento foram bloqueados.

Numa das transversais, uns 20 PMs postaram-se na Consolação, tentando fechá-la, mas deixando uma passagem lateral. Ficaram ali menos de dois minutos e se retiraram. Esse grupo de policiais subiu a avenida até a Maria Antônia, caminhando no mesmo sentido da passeata. Parecia Londres.

Voltaram a fechá-la e, de novo, deixaram uma passagem. Tudo o que alguns manifestantes faziam era gritar: "Você é soldado, você também é explorado" ou "Sem violência". Alguns deles colavam cartazes brancos com o rosto do prefeito de São Paulo, "Malddad".

Num átimo, às 19h10, surgiu do nada um grupo de uns 20 PMs da Tropa de Choque, cinzentos, com viseiras e escudos. Formaram um bloco no meio da pista. Ninguém parlamentou. Nenhum megafone mandando a passeata parar. Nenhuma advertência. Nenhum bloqueio, sem disparos, coisa possível em diversos trechos do percurso.
Em menos de um minuto esse núcleo começou a atirar rojões e bombas de gás lacrimogêneo. Chegara-se a Istambul.

Atiravam não só na direção da avenida, como também na transversal. Eram granadas Condor. Uma delas ficou na rua que em 1968 presenciou a pancadaria conhecida como "Batalha da Maria Antônia"...  (por Elio Gaspari)
 
 
 

UM ESTRANHO CASAL: A EX-TORTURADA E O PALADINO DOS TORTURADORES

O larápio de medalhinhas se dá tão bem com a Dilma...
Estranhei o incomum amargor do Juca Kfouri, no título (Vaias só para o poder) e no texto:
"...nada se comparou à cara da presidenta Dilma Roussef quando foi estrepitosamente vaiada ao lado de Joseph Blatter, que pediu fair play para ser ainda mais vaiado. Como ela, ao declarar a Copa das Confederações oficialmente aberta.
...como se dava com o Maluf?
É o preço que paga quem se cala diante das iniquidades do país e faz acordos espúrios para sobreviver, como seus antecessores..."
Aí passei pelo site do Brasil 247 e encontrei a foto do alto, de uma ex-torturada confraternizando com um antigo paladino dos torturadores: aquele que rasgava seda para o delegado Sérgio Fleury e, às vésperas do assassinato de Vladimir Herzog, pedia providências contra a infiltração comunista na TV Cultura.

Não sei exatamente qual foi o motivo para os torcedores de Brasília vaiarem a Dilma.

Mas, quem conhece o passado ignóbil do José Maria Marin e mesmo assim se deixa fotografar ao lado dele sorrindo e fazendo o sinal de  positivo, merece mesmo ser vaiado.
 

LEI DA GRAVITAÇÃO FEDERAL

"O poder atrai 
o poder, na 
razão direta 
da ambição e 
na razão 
inversa da 
dignidade"


QUEM COM CÃES SE DEITA, COM PULGAS SE LEVANTA

Face ao mal estar causado pela foto do  estranho casal  divulgada no último sábado (15), assessores de Dilma Rousseff estão alegando que não houve efusividade entre ela e José Maria Marin, mas sim uma esperteza do fotógrafo da CBF, que ficou de prontidão à espera de uma oportunidade para clicá-la sorridente. O sinal de  positivo  seria para alguém que não aparece na foto. OK, o registro está feito. No entanto:
  1. é meio pueril uma presidenta da República dividir camarote com um desafeto e permanecer emburrada, melhor seria não ter ido lá ou estar em companhia menos constrangedora;
  2. quando adolescentes admitem terem sido ingênuos, tudo bem, mas pessoas vividas têm mais é de nunca baixarem a guarda, até porque, conforme reza a sabedoria popular, quem com cães se deita, com pulgas se levanta
Finalmente, permito-me considerar que não houve empenho real do governo federal em evitar a situação extremamente vexatória de que teremos na tribuna de honra de uma Copa do Mundo disputada no Brasil, como presidente da CBF, um antigo  capacho  da ditadura militar: o patético  Zé das Medalhas

Assim como nunca engolirei que, para a instituição da Comissão da Verdade ser aprovada pelo Congresso, o governo precisasse prostrar-se à chantagem imunda da bancada evangélica, que exigiu a não participação de resistentes que pegaram em armas, igualando-nos aos veteranos do arbítrio (que já estavam vetados). Foi uma capitulação infame, até por vir ao encontro de uma das teses favoritas das  viúvas da ditadura, a de que os dois lados cometeram excessos.

Em ambos os casos havia como se chegar a solução melhor, desde que o governo se dispusesse a pagar o preço (pois lidava com indivíduos que colocam SEMPRE os interesses acima das convicções). Mas, preferiu preservar suas moedas de troca para outras barganhas, e um dos maus resultados aí está, com a rasteira que o Marin acaba de dar na Dilma. 
Outros virão.
*NaufragodaUtopia

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