ESPIONAGEM E O CINISMO DE BARRACK OBAMA
(JB)- O mundo não conseguiu ainda
sair do espanto causado pelas revelações do soldado Bradley Manning — cujo
julgamento por traição começou há dias — e uma denúncia ainda mais grave foi
encaminhada ao Guardian pelo ex-técnico da CIA Edward Snowden. O denunciante era,
até o dia 20 de maio, um dos maiores especialistas em segurança de informações
da Booz Allen, contratada pelo governo norte-americano para assessorar a NSA
(Agência Nacional de Segurança).
De acordo com os documentos oficiais,
filtrados por Snowden, e não desmentidos, Obama determinou a invasão dos
sistemas de comunicação eletrônicos do mundo inteiro — também no próprio
território norte-americano. Os meios técnicos permitem aos invasores capturar
mensagens e documentos, apagar, reescrever, reendereçar e-mails. Mais ainda: os
hackers oficiais poderão intervir no sistema de comandos dos computadores. Em
tese, e de acordo com a tecnologia disponível, serão capazes de alterar a rota
dos aviões, provocar incidentes militares nas fronteiras, falsificar telegramas
diplomáticos, de forma a intrigar governos contra governos.
Atos de espionagem e de provocação são
comuns na História, mas os meios tecnológicos de hoje os tornam catastróficos.
A única esperança de que planos como o do presidente Obama sejam divulgados
está nos cidadãos dos próprios países agressores que, os conhecendo, como é o
caso de Bradley Manning e de Edward Snowden, se disponham a denunciá-los ao
mundo.
Snowden, como Manning, é um homem ainda
jovem. Aos 29 anos, ganhando um bom salário, de 200 mil dólares brutos por ano,
vivia com conforto no Havaí, com sua jovem namorada, quando, ao tomar
conhecimento das 18 páginas das diretivas de Obama aos serviços de segurança,
resolveu revelá-los.
O governo norte-americano tenta
minimizar a gravidade da denúncia, ao afirmar que um tribunal criado para
supervisionar os serviços de informação e segurança aprovou a medida, da qual,
também as comissões especiais do Congresso tomaram conhecimento e lhe deram
endosso.
Há várias questões postas, que devem ser
examinadas com serenidade. Em primeiro lugar, aquela velha presunção
norte-americana de que eles foram predestinados ao domínio universal, e foi
definida pelo senador Fullbright como "a arrogância do poder".
Sentindo-se os mais poderosos, assim como os soberanos, julgam-se
irresponsáveis pelos seus atos e inimputáveis. Não consideram que haja acima
deles nenhum poder punitivo. Seus fundamentalistas protestantes, entre eles
Bush II, acreditam agir com a cumplicidade de Deus. Foi assim que o então presidente
justificou a segunda guerra contra o Iraque: — em conversa com o Todo-Poderoso,
dele ouviu a ordem de caçar Saddam Hussein e eliminá-lo.
Outra lição do fato é a de que não há
mais segredos no mundo, principalmente quando o rege a lógica do mercado. Há,
de acordo com as informações oficiais, 25 mil pessoas envolvidas no sistema
nacional de segurança dos Estados Unidos, a maior parte delas funcionárias de
empresas privadas, como a Booz Allen, cujo faturamento, em 98%, é obtido em
contratos com a Agência Nacional de Segurança. É impossível, assim, manter
essas operações em sigilo.
Outra grande surpresa é o cinismo do
presidente Barack Obama, que irrompeu no cenário norte-americano como aquele
predestinado a recuperar os mais altos valores dos "pais fundadores"
da grande república. Na campanha eleitoral de 2008, ele qualificou os
vazamentos do mau comportamento do governo como "atos de coragem e
patriotismo, que podem, muitas vezes, salvar vidas e, com frequência, poupar
dólares dos contribuintes, e devem ser encorajados, em lugar de
combatidos", como ocorria durante a administração Bush.
Na reação contra Manning e Assange,
Obama absolve o "guerreiro" Bush. Snowden, em entrevista ao Guardian,
diz que se sente mais ou menos seguro em Hong Kong, aonde chegou há três
semanas. Mas os republicanos do Congresso pediram ao governo que exija a sua
extradição. Como se sabe, a autonomia da antiga colônia britânica é limitada: o
território está sob a soberania estatal chinesa. Será interessante verificar se
o governo chinês decidirá acatar um pedido de extradição que um pequeno país,
como o Equador, se nega a atender, no caso de Julián Assange.
Os observadores se dividem, na previsão
do que virá a ocorrer, diante desse novo escândalo mundial. A maioria, com a
mente já colonizada pela hegemonia norte-americana, acha que nada há a fazer.
Em suma, é inevitável aceitar o mando norte-americano, para que nos salvemos do
"terrorismo islamita", assim como foi melhor aceitar as
inconveniências da Guerra Fria, para que nos livrássemos do comunismo ateu.
Há, no entanto, os que sabem ser
necessária uma aliança da inteligência e da dignidade dos homens, a fim de
reagir, enquanto há tempo, contra essa tirania universal.
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