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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, julho 16, 2014

A Copa, a Rivalidade e a América Latina

A Copa, a Rivalidade e a América Latina
M. L. Brinhosa



Em qualquer outra situação teríamos torcido contra a Alemanha (por ela ter goleado o Brasil), mas isso não ocorreu. Não ocorreu porque contra esta "revanche" imaginária estava uma rivalidade artificial maior, criada e estimulada pelas elites desde a colonização. 

Na final da copa a mídia criou o altar da Alemanha, enfocando seus visitantes educados e mostrando os feitos positivos da seleção, enquanto enfocou os visitantes argentinos mais estourados e coletou tudo que fosse negativo para ilustrar os hermanos. Porém, esta intervenção imediata só surtiu efeito porque se assentou em uma raiz histórica.

A rivalidade “Brasil x Argentina” começou desde a colônia: primeiro servia para assegurar as fronteiras na hostilidade, depois servia para bloquear a ameaça expansionista de ambos os lados e assegurar a propriedade dos latifundiários, agora serve pra dificultar a integração latinoamericana (que tanto no sentido capitalista, quanto no anticapitalista, significaria uma ameaça aos interesses das elites globais).

Falar do Uruguai é interessante para pensar como nossa rivalidade com a Argentina é artificial. O Uruguai tem uma seleção tão boa quanto a da Argentina, historicamente produzindo jogos tão difíceis quanto, e ainda venceu o Brasil na final da copa de 1950. Isso deveria gerar uma rivalidade gigantesca, mas não é o caso. Já contra a Argentina, apesar dos jogos difíceis, não houve nenhum fato traumático equivalente (sequer houve final entre estes países).

Na história, o Uruguai não teria força pra anexar nada do Brasil, principalmente depois que humilhamos o Paraguai com a guerra, por isso não faria sentido criar uma rivalidade artificial contra ele. Só a Argentina era grande o suficiente e por isso ambos os países precisaram manter uma guerra fria tosca para caso algum invadisse as fronteiras do outro. Hoje tal irracionalidade pesa na geopolítica, e tanto o Brasil quanto a Argentina saem prejudicados.

A mídia comercial, por ser empresarial em si e financiada por outros empresários, acha interessante fazer a manutenção de tal preconceito (defende os interesses de seus acionistas). E extremiza, chegamos ao ponto em que os brasileiros passaram, por tal influencia, a ver nos argentinos o exemplo de povo racista (outra opinião que seria inversa, pensando nos times da final da Copa, mas que foi ofuscada pela rivalidade artificial).

O racismo não é um problema isolado, todos os países sofrem em certa medida com ele e devem combatê-lo, mas os alemães não só tem maior tradição, como tem maior prática na própria atualidade: caberia dizer que 1) os estados com colonização alemã no Brasil, colônias que só falaram português por imposição de Vargas (pois não queriam “se misturar com essa gentalha”), são os que mais baixam conteúdo neonazista: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2013/04/rs-e-o-segundo-estado-que-mais-baixa-conteudos-neonazistas-na-internet-4113457.html e que ainda fazem homenagens à Hitler:http://poracaso.ocponline.com.br/cartazes-exaltando-hitler-aparecem-em-postes-centro-de-itajai/ ; 2) “O título alemão na Copa do Mundo foi comemorado por simpatizantes do nazismo que se disfarçam sob o “orgulho de ser branco”. Em uma postagem no Facebook, ignorantes chamaram a conquista da seleção de Müller, Schweinsteiger e companhia de “vitória para a raça branca”. http://www.diariodocentrodomundo.com.br/racistas-entendam-a-selecao-da-alemanha-nao-e-um-exemplo-de-sucesso-para-voces/ ; 3) o neonazismo chega a tal proporção na Alemanha que 1 em cada 15 jovens é neonazista: http://segundaguerra.net/o-movimento-neonazista-cresce-assustadoramente/ ... Mas para a mídia é um problema argentino...

Aparentemente ninguém está imune a isto, até porque os preconceitos estruturados se introjetam, e o que antes era exterior passa a ser interior. Por isso vale a reflexão sobre o tema, para que tenhamos a capacidade de eliminar tal irracionalidade de nossas entranhas. A América Latina tem muito em comum, tanto em sua história quanto em seus anseios, mas tais anseios só poderão se realizar se estivermos unidos.

“Soy américa Latina, un pueblo sin piernas, pero que camina
Oye!”

http://www.youtube.com/watch?v=DkFJE8ZdeG8

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