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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, julho 24, 2014

ARIANO SUASSUNA IN MEMORIAN

Oxente, que Ariano Suassuna arrodeia o céu!
Digam logo que é mentira. Desdigam essa bestagem de que a notícia é de verdade verdadeira, que houve morte morrida. Falem, aí, que num tem literatura se acabando em choro, num tem caba macho das letras se arriando ao contrário pro meio céu.
Oxe. Avisem que ele é pai de Chicó, que brinca de morrer, morre, desmorre e ressuscita com a gaita de João Grilo… Depois corre pra dançar. Dançar com as palavras.
Chamem a Compadecida para dar colo ao nosso susto. “Mainha, a gente não quer ser filho de um mundo sem o talento monstruoso de um homi assim”.
Cabô o pantim. Cabô o aperreio. Nosso mestre não deu pinote. A vida nao foi pirangueira nos seus 32 mil dias de reinação.
Foi tudo graça pra nos fazer Severino de besta. Foi fuleragem, foi gaiatice. E deixem um cotôco de esperança pra gente soluçar.
Toquem o clarim. Tenham misericórdia do nosso egoísmo. Manguem da gente, que a gente quase acreditou. Os gênios jamais morrem.
Ave Maria. Ave José. Que cordel triste se fez hoje. Chora a cachorrinha. Chora a mulher do padeiro. Chora quem arrastou com ele um sotaque tão nordestino e um tão nordestino coração. Chora o Movimento Amorial. Chora de novo a mulher chorona do padeiro. Chora seu Manoel, chora Rosinha, chora o gatilho do cangaceiro. Chora, quietinha, a Academia Brasileira de Letras. Choram os livros. Choram os palcos. Choram até os grilos, seus homenageados.
O céu, meu pai, faz zuada, sorri feliz e se enche de causos. De palhaços, da mulher vestida de sol. Se enche das harpas de Sião e dos homens de barro. Se enche de amor. De humor. O céu inteiro espera. Se prepara. Corre. Transpira nossa agonia. E sua… ssuna.
O santo. A porca.
O homem da vaca.
O príncipe de Sangue.
A Caseira. A Catarina
Fernando e Isaura.
A onça Caetana.
Nas conchambranças de Quaderna… Se danam a rir e a chorar.
Corta!
No último do penúltimo ato, o paraibano-pernambucano abre o olho pra reclamar: “Deixem agorinha de frescura. Eu sou eterno quando lido, e lido bem com isso. Esse negócio de eternidade deve cansar”.
Mas a gente segue precipitado, abuticado… E os zoinho dele voltam a fechar.
Corta!
“João! João! Morreu! Ai meu Deus, morreu pobre de João Grilo! Tão amarelo, tão safado e morrer assim! Que é que eu faço no mundo sem João? João! João! Não tem mais jeito, João Grilo morreu. Acabou-se o Grilo mais inteligente do mundo. Cumpriu sua sentença e encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca de nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo morre. Que posso fazer agora?”.
Que posso fazer agora?
Que posso sentir agora?
Que posso dizer agora?
Que posso contar agora se não dessa orfandade que hoje quase me pariu?
…Não sei. Só sei que foi assim.
Texto do Observatório Feminino.

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