Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, julho 29, 2014

Morto em 1876, filósofo russo é citado como suspeito em inquérito no Rio de Janeiro

Wikicommons
Segundo reportagem da Folha de S. Paulo, Mikhail Bakunin, considerado um dos fundadores do anarquismo, foi classificado como um “potencial suspeito” pela polícia carioca, que investiga manifestantes e ativistas
28/07/2014
Reportagem publicada nesta segunda-feira (28) no jornal Folha de S. Paulo traz uma revelação no mínimo curiosa: o inquérito de mais de 2 mil páginas, produzido pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, que responsabiliza 23 pessoas pela organização de açõesviolentas em manifestações de rua, aponta o filósofo Mikhail Bakunin como um dos suspeitos. Morto em 1876, o russo é considerado um dos pais do anarquismo.
De acordo com a matéria, Bakunin foi citado por um manifestante em uma mensagem interceptada pela polícia. A partir daí, passou a ser classificado como um “potencial suspeito”. A professora Camila Jourdan, de 34 anos, uma das investigadas, menciona esse episódio para demonstrar a fragilidade do inquérito. “Do pouco que li, posso dizer que esse processo é uma obra de literatura fantástica de má qualidade”, descreve.
Essa não é a primeira vez que intelectuais já falecidos figuram em autos das autoridades brasileiras. Durante a ditadura militar, Karl Marx era um dos fichados no Departamento de Ordem Política e Social (Dops), um dos principais órgãos de repressão aos movimentos políticos e sociais identificados como “subversivos”.
Jourdan ficou 13 dias presa no complexo penitenciário de Bangu, na zona oeste do Rio. Conhecida pela excelência acadêmica na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), onde coordena o programa de pós-graduação em filosofia, ela diz sido alvo de uma invenção dos investigadores. “Existe uma necessidade de se fabricar líderes para essas manifestações. E quem se encaixa muito bem no papel de mentora intelectual? A professora universitária. Caiu como uma luva, entendeu?”, afirma.
Para contestar o “papel de liderança” que lhe foi atribuído pela polícia, a professora se vale das teorias do filósofo francês Michael Foucault. “Foucault diz que os intelectuais descobriram que as massas não precisam deles como interlocutores. Não tenho autoridade para falar sobre a opressão de ninguém. O movimento não precisa de mim para este papel”, declara.

*Brasildefato

Nenhum comentário:

Postar um comentário