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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, julho 12, 2014

"Temos de expropriar os bancos e socializá-los"

Éric Toussaint: "Temos de expropriar os bancos e socializá-los"

Mas, como recorda o próprio Toussaint, na Europa e na Espanha, ainda estamos muito longe de tal cenário. Na Europa, não há vontade política nem sequer sensibilidade: "Se os governos dos países da UE acreditassem realmente que estão ao serviço da maioria dos cidadãos, já teriam nacionalizado os bancos e também se teriam recusado a pagar parte da dívida pública ilegítima e ilegal ", acrescenta.
Éric Toussaint. foto de GUE NGL
A Comuna - [Jorge Otero, Público] Após sete anos de grave crise económica, o belga Éric Toussaint, um dos mais brilhantes politólogos da esquerda europeia, sabe muito bem que os culpados são os mesmos e por isso que estamos na pior situação dos últimos 80 anos.
O seu diagnóstico não é novo - "Esta é uma crise da dívida privada e do capitalismofinanceiro causada basicamente pelos bancos. Estamos a pagar a sua dívida entre todos." - o que é novidade é a convicção e determinação de propor soluções reais para uma "saída justa" para a crise.
presidente da Comissão para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo e assessor de vários governos latino-americanos sobre questões como a auditoria da dívida pública, Toussaint vai visitar Madrid nestes dias. Esta noite terça-feira [1jul2014] estará no Publico TV, no debate de La Tuerka, onde desfiará o seu discurso unindo a crítica mais feroz e reflexão sobre políticas económicas alternativas ao neoliberalismo predominante.
"Temos de tomar medidas radicais para uma saída social da crise"
Ao nível da crítica, Toussaint lamenta a impunidade de que gozam os grande banqueiros, apontando-os diretamente como os responsáveis ​​pela crise: "Os proprietários capitalistas dos bancos privados geriram o dinheiro dos bancos de forma a obter o máximo lucro sem considerar o risco". Foram eles quem nos trouxe até aqui, afirma o belga, e eles deveriam ter sido os únicos a pagar os seus próprios excessos.
A realidade, porém, é bem diferente: estes notáveis ​​são protegidos pelos governos europeus; ninguém se atreveu a meter-se com eles e, ainda por cima, os Estados têm resgatado os bancos com dinheiro público. Isso irrita Toussaint, para quem a punição é clara: "Temos de expropriar os bancos e socializa-los. A banca tem que ser um serviço público. Os acionistas dos bancos resgatados deveriam devolver o dinheiro das ajudas pagando com o seu próprio património ...".
O pensador belga acredita que as coisas podem ser feitas de forma diferente e cita dois exemplos: o caso da Islândia, onde dois banqueiros foram presos por pressão popular, e os EUA, onde Barack Obama não toma contra os bancos privados dos EUA e tentar desviar atenção com mão de ferro contra os bancos europeus.
Mas, como recorda o próprio Toussaint, na Europa e na Espanha, ainda estamos muito longe de tal cenário. Na Europa, não há vontade política nem sequer sensibilidade: "Se os governos dos países da UE acreditassem realmente que estão ao serviço da maioria dos cidadãos, já teriam nacionalizado os bancos e também se teriam recusado a pagar parte da dívida pública ilegítima e ilegal ", acrescenta.
Perante o imobilismo dos governos europeus, Toussaint introduz um elemento importante no seu discurso: a existência de uma alternativa. E essa alternativa está cada vez mais perto, a pesar da "difícil situação política" que impera na União Europeia. "As eleições europeias mostraram que, em Espanha há uma parte significativa da população à procura de uma alternativa real ao bipartidarismo e as opções que oferecem mais do mesmo", saúda o politólogo belga.
Para Toussaint a alternativa passa por "un programa coerente" que tenha como eixo"medidas radicais para uma salida social da crise". Não lhe importa tanto quanto a outros economistas que esta saída se dê sem o euro: ele tem uma posição crítica em relação ao euro e contra o próprio sistema. Toussaint defende uma "saída à esquerda com as mudanças estruturais na sociedade".
Neste sentido, a América Latina é o espelho que devemos olhar. Essa parte do mundo aprendeu que a resposta à crise não passa por cortar na despesa pública, nas pensões e nas políticas sociais; sabe também que a solução não é congelar os salários. Toussaint explica-o muito bem: .. "A austeridade não é a resposta. Isso só conduz a um aumento da dívida pública. O que há a fazer é adotar um programa alternativo coerente, que aposte em aumentar o investimento público, aumentar o poder de compra das famílias, anular uma parte da dívida pública ilegítima, redistribuir a riqueza e aumentar a receita fiscal".
Entre as suas receitas, Toussaint não esquece a luta contra a desigualdade: "Dentro deste programa coerente de que falei uma das medidas fundamentais são os impostos sobre os mais ricos. Eu, tal como Thomas Piketty, sou partidário da criação de um imposto confiscatório de 80% ou 90% do rendimento do 1% mais rico da população. A concentração de riqueza está a tornar-se intolerável. Franklin Delano Roosevelt fê-lo em 1938 nos Estados Unidos e não era um esquerdista. Com essas receitas, um governo progressista poderia lançar um novo modelo económico e social".
"O problema", diz o próprio Toussaint, "é passar da vontade de mudança à expressão política dessa mudança". Mas neste caso, o belga está otimista: diz que está entusiasmado com a ação do "indignados do 15-M" e saúda com simpatia a chegada do Podemos. Toussaint felicita o 15-M pela a sua luta por uma "auditoria cidadã da dívida", uma ação cidadã que, nas suas palavras, "demonstra que milhares de pessoas querem entender de onde procede a dívida pública cuja legitimidade questionam".
Porque a dívida pública, essa que a troika insiste que os cidadãos paguem a todo o custo, é outro elemento estruturante do discurso alternativo do pensador belga, como presidente do Comité para a Anulação da Dívida do Terceiro Mundo é um seus cavalos de batalha. Para Toussaint não é moralmente aceitável que um país tenha que cortar na saúde ou na educação de pagar a dívida, quando não foi feita uma auditoria da mesma e não foi determinado que parte é ilegítima e/ou ilegal. Fazer uma auditoria da dívida é uma obrigação para qualquer país, insiste Toussaint: "Se se quer encontrar uma solução justa da crise para os cidadãos, temos de cancelar o pagamento dessa parte da dívida".
Recusar-se a pagar parte da dívida não é nenhuma utopia. Toussaint sabe isso e dá o exemplo do Equador, onde ele próprio trabalhou assessorando o presidente Rafael Correa. "Fazê-lo é possível. O Equador fê-lo em 2008 e 2009 com sucesso e países como Espanha, Grécia, Portugal, Irlanda e Chipre também podem fazer o mesmo. Porque não? Os credores da dívida pública são os mesmos bancos que foram socorridos com o dinheiro público e que, em seguida, o utilizaram para comprar títulos da dívida pública desses países".
Tradução: Bruno Góis
*GilsonSampaio

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