Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, julho 13, 2014

A HIPOCRISIA BANHADA EM SANGUE DE ISRAEL

A hipocrisia banhada em sangue de Israel
Assassinatos bárbaros de adolescentes israelenses e palestinos estão levando os dois lados a confrontos violentos em inúmeras cidades  mas o aparato político-militar de Israel ainda é o maior culpado pela incitação ao ódio
Por Jonathan Cook, em Alternet | Tradução: Vinicius Gomes
Choque e raiva engolfaram as sociedades israelense e palestina desde a semana passada, quando crimes bárbaros aconteceram a crianças de suas respectivas comunidades. Horas depois de localizarem os corpos de três adolescentes israelenses – semanas após seus desaparecimentos –, um jovem palestino, Mohammed Abu Khdeir, foi sequestrado, espancado e queimado vivo, aparentemente como vingança.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, é acusado tanto por palestinos quanto por israelenses, de incitar à violência de ambos os lados (Emil Salman)
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, é acusado tanto por palestinos quanto por israelenses, de incitar à violência de ambos os lados (Emil Salman)
Estes eventos horríveis deveriam servir como lição sobre a futilidade obscena da vingança. Como um parente de um dos jovens mortos apontou: “Não existe diferença entre sangue e sangue”. Infelizmente, essa não foi a mensagem explicitada na cobertura midiática durante a última semana. Nas redes sociais, a justaposição de imagens do The New York Times, do mesmo dia, mostrou o quão fácil é se esquecer que não apenas temos o mesmo sangue, como também sofremos da mesma maneira.
Uma manchete sobre o “coração partido” dos israelenses foi ilustrada de modo comovente, com as famílias dos três jovens israelenses se abraçando – arrasadas por suas perdas. Por outro lado, um texto sobre o assassinato do jovem palestino de 16 anos queimado vivo foi acompanhado de uma imagem de jovens mascarados arremessando pedras.
Essas representações contrastantes do luto das famílias foram totalmente enganadoras. Verdade: jovens palestinos têm protestado violentamente em Jerusalém e comunidades em Israel, desde que Abu Khdeir foi enterrado. Mas da mesma maneira agem os judeus israelenses, que saíram enfurecidos pelas ruas de Israel clamando por “morte aos árabes” e atacando qualquer um que aparentasse ser palestino.
Mesmo assim, Abraham Foxman, o chefe da Liga Anti-Difamação – uma organização judaica nos EUA que alega lutar contra a intolerância – estava propagando uma mensagem igualmente controversa: no Huffington Post escreveu sobre uma “cultura de ódio” dos palestinos.
De acordo com Foxman, as sociedades palestinas e israelenses são fundamentalmente diferentes. O descontentamento palestino é “propagado e incita o ódio por meio de um apoio irrestrito à violência contra judeus e Israel”.
Os três adolescentes que foram raptados em 12 de junho e encontrados mortos, duas semanas depois (Reprodução)
Os três adolescentes israelenses que foram raptados em 12 de junho e encontrados mortos, duas semanas depois (Reprodução)
Ele reproduz, assim, um sentimento comum em Israel – enunciado no final dos anos 1960 pela então primeira-ministra israelense Golda Meir. Ela sugeriu que, mais difícil do que perdoar os inimigos árabes por matar israelenses, seria “perdoá-los por nos forçarem a matar os filhos deles”.
Em uma ação de auto-honradez similar, muitos israelenses repreendem os pais palestinos por colocarem seus filhos em perigo, ao permitir-lhes que joguem pedras contra forças de segurança de Israel. A justificativa é de que os palestinos – como resultado de sua cultura ou religião – valorizam menos a vida do que os israelenses.
Estranhamente, os israelenses raramente questionam as consequências da decisão tomada, por um em cada 10 deles, de viver em assentamentos ilegais da já roubadaterra palestina. Os assentados escolheram colocar a si próprios e a seus filhos nalinha de frente também, embora tenham mais opções de locais para viver do que os palestinos.
Os bombardeios à Faixa de Gaza pelo exército israelense - como resposta à morte dos três jovens - já matou mais de 80 pessoas (incluindo crianças), feriu mais de 500 e forçou o deslocamento de milhares (Reprodução)
Os bombardeios à Faixa de Gaza pelo exército israelense – como resposta à morte dos três jovens – já matou mais de 80 pessoas (incluindo crianças), feriu mais de 500 e forçou o deslocamento de milhares (Reprodução)
De fato, nem os israelenses e nem os palestinos podem alegar estarem acima da cultura de ódio. Enquanto as ocupações de uma Israel beligerante continuarem, suas vidas juntos em uma pequena porção doOriente Médio irão continuar a serem incitadas à confrontações violentas.
Mas isso não significa que a culpabilidade de israelenses e palestinos seja igual. A realidade é que os israelenses, ao contrário dos palestinos, possuem um Estado soberano que os representa e os defende contra um exército mais forte.
Na semana passada, o exército de Israel anunciou que prendeu diversos soldados que postaram na internet fotografias de si próprios clamando vingança contra “árabes”. As prisões funcionaram bem para a imagem de Israel como um país que aplica a lei, mas elas escondem verdades mais profundas.
A primeira é que os israelenses sedentos por represálias estão simplesmente ecoando seus líderes políticos e religiosos, cujas declarações de vingança ultrapassaram até mesmo o horrendo apoio do Hamas pelas mortes dos jovens israelenses.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, liderou o caminho, citando uma famosa frase de um poema hebreu: “Até mesmo o diabo ainda não criou a vingançapelo sangue de crianças”. Seu ministro da economia, Naftali Bennet, urgiu que Israel “ficasse furiosa”, enquanto um ex-legislador jurou que Israel tornaria o Ramadã em um “mês de escuridão”. Um rabino influente, e supostamente moderado, torcia por um “exército de vingadores”.
Na semana passada, israelenses de esquerda fizeram demonstrações em Tel Aviv, protestando contra o governo de Netanyahu por “incitar a violência”, mas até mesmo isso subestima o problema.
As ameaças de líderes israelenses não estão simplesmente incitando a violência nas ruas. O enorme aparato das forças de segurança de Israel também está fazendo isso. Uma ótima ilustração disso foi o vídeo no qual policiais armadas em Jerusalém espancavam uma criança de 15 anos – primo do jovem morto Abu Khdeir – enquanto este estava algemado e indefeso no chão. Veja o vídeo abaixo:
A administração de Netanyahu planeja uma mais sutil vingança: ela planeja construir novos assentamentos – uma violência contra a vida dos palestinos em seus já parcos territórios – para especificamente honrar a vida dos três jovens israelenses. Protegidos pelo exército, os assentados já estão começando a acampar na Cisjordânia.
Enquanto isso, o exército de Israel lança uma série de ataques em Gaza, culminando em uma nova operação em larga escala. Eles também revivem a política de demolir as casas de parentes dos suspeitos palestinos, apoiados por cortes jurídicas, os soldados explodiram as casas da família de dois homens que foram acusados de estarem por trás dos sequestros dos jovens israelenses.
Ao passo que a Human Rights Watch denuncia que as recentes ações de Israel – prisões em massa, ataques armados, assassinatos de palestinos – incluindo menores –, demolição de casas, bombardeios e cidades sitiadas – são uma “punição coletiva”, um eufemismo para vingança contra a Palestina.
De frente para a contínua violência de Israel com suas ocupações e a licença que os soldados têm para humilhar e oprimir qualquer um, os palestinos comuns têm uma escolha: submissão ou resistência. Os israelenses comuns, por outro lado, não precisam buscar vingança por si próprios. O Estado de Israel, seus militares e suas cortes estão ali todos os dias fazendo isso por eles.

Nenhum comentário:

Postar um comentário