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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, março 03, 2015

“Não vou embora, estou chegando”, diz Mujica em despedida

“Se tivesse duas vidas, as gastaria inteiras para ajudar suas lutas, porque é a forma mais grandiosa de amar a vida que pude encontrar ao longo dos meus quase 80 anos”, disse Pepe

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Cerimônia contou com aplausos, gritos de "obrigado, Pepe" e bandeiras alusivas ao seu partido político Foto: Wagner Machado / Terra
Cerimônia contou com aplausos, gritos de "obrigado, Pepe" e bandeiras alusivas ao seu partido político
Foto: Wagner Machado / Terra
Ao final do seu último dia útil como mandatário do Uruguai, José “Pepe” Mujica – que ficou conhecido internacionalmente como “o presidente mais pobre do mundo” – foi ovacionado por milhares de uruguaios, que lotaram a Plaza Independencia (a principal da capital) para “agradecer” por sua gestão.
Em meio a aplausos, gritos de “obrigado, Pepe”, bandeiras alusivas ao seu partido político (Movimento de Participação Popular) e palavras de ordem como “Pepe, amigo, o povo está contigo”, Mujica compareceu ao tradicional rito de arriamento da bandeira, quando o símbolo nacional é retirado de seu mastro e entregue ao presidente prestes a deixar o cargo.
Saudades, Pepe! Jovens explicam por que Mujica é tão popular
Na cerimônia, estavam presentes também o novo presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez – que assume neste domingo, 1º de março – , o vice-presidente eleito, Raul Sendic, a mulher de Mujica, a senadora Lucía Topolansky, atual candidata à Prefeitura de Montevidéu, e ministros do governo de Pepe.
Em um discurso de 10 minutos, que trazia por escrito, o presidente relembrou rapidamente sua infância e adolescência, e agradeceu ao povo “pelo profundo companheirismo” em cada uma das vezes em que disse ter se sentido “sozinho”. “Se tivesse duas vidas, as gastaria inteiras para ajudar suas lutas, porque é a forma mais grandiosa de amar a vida que pude encontrar ao longo dos meus quase 80 anos.”
Também repassou os tempos de prisão e luta armada contra a ditadura. “Pagamos preços enormes, mas continuamos vivos por milagre, aprendendo com a adversidade e tendo repensado toda a vida, como uma entrega e como valor a defender acima de todas as coisas.”
"Fusca foi feito em 15 dias por um artista que faz 'cabeçudos' (bonecos tradicionais do Carnaval uruguaio) e me ofereci para trazê-lo no meu carro, contou Raul Presyones. Foto: Denise Mota / Especial para Terra
"Fusca foi feito em 15 dias por um artista que faz 'cabeçudos' (bonecos tradicionais do Carnaval uruguaio) e me ofereci para trazê-lo no meu carro, contou Raul Presyones.
Foto: Denise Mota / Especial para Terra
Ao final, afirmou: “Não estou indo embora, estou chegando. Irei com o último respiro e, onde estiver, estarei por vocês, porque é a forma superior de estar com o povo”.
Fusca no ar, Mujica na pele
Em meio à multidão que acompanhava um dos últimos atos públicos de Mujica, o famoso fusca azul do presidente pairava como um monumento à sua personalidade. Não era o fusca real, mas sim uma réplica feita de papel machê, no alto de uma caminhonete.
“Sou um simpatizante do Pepe, da Frente Ampla (a coalizão governista integrada pelo partido de Mujica), e organizamos a vinda a essa despedida com amigos e integrantes do MPP do Cerro (bairro operário de Montevidéu). O fusca foi feito em 15 dias por um artista que faz 'cabeçudos' (bonecos tradicionais do Carnaval uruguaio) e me ofereci para trazê-lo no meu carro”, contou ao Terra Raul Presyones.
Sou um simpatizante do Pepe, da Frente Ampla (a coalizão governista integrada pelo partido de Mujica), e organizamos a vinda a essa despedida com amigos e integrantes do MPP do Cerro (bairro operário de Montevidéu)", diz Raul Presyones Foto: Denise Mota / Especial para Terra
Sou um simpatizante do Pepe, da Frente Ampla (a coalizão governista integrada pelo partido de Mujica), e organizamos a vinda a essa despedida com amigos e integrantes do MPP do Cerro (bairro operário de Montevidéu)", diz Raul Presyones
Foto: Denise Mota / Especial para Terra
Os amigos Wilson Mieres, 30, e Emiliano Cardozo, 18, foram a caráter para a ocasião. Cardozo, com uma camiseta customizada com o rosto e frases de Mujica – além de uma tatuagem com o rosto do presidente no braço direito – , e Mieres, com uma máscara do mandatário.
Os amigos Wilson Mieres, 30, e Emiliano Cardozo, 18, foram a caráter para a ocasião. Foto: Denise Mota / Especial para Terra
Os amigos Wilson Mieres, 30, e Emiliano Cardozo, 18, foram a caráter para a ocasião.
Foto: Denise Mota / Especial para Terra
“Mujica é um ídolo. Para os mais humildes, calou fundo e é um marco por tudo o que nos ensinou. Nunca havíamos visto um presidente assim, e acho que nunca mais vamos voltar a ver”, disse Mieres.
Emiliano Cardozo, 18, tem uma tatuagem de Mujica no braço Foto: Denise Mota / Especial para Terra
Emiliano Cardozo, 18, tem uma tatuagem de Mujica no braço
Foto: Denise Mota / Especial para Terra
Para Cardozo, Mujica “impactou com força. Para além do fato de ser carismático, seu carisma foi acompanhado por atos políticos”.
Aposentado Guillermo Verona, 59, acompanhou a cerimônia com as cores da Frente Ampla na cabeça e com a bandeira da coalizão nas mãos Foto: Denise Mota / Especial para Terra
Aposentado Guillermo Verona, 59, acompanhou a cerimônia com as cores da Frente Ampla na cabeça e com a bandeira da coalizão nas mãos
Foto: Denise Mota / Especial para Terra
O aposentado Guillermo Verona, 59, acompanhou a cerimônia com as cores da Frente Ampla na cabeça e com a bandeira da coalizão nas mãos. “É a primeira vez na história que um presidente sai como ele está saindo. Pepe nos deixa o que nunca nos deixaram: a intenção de fazer o melhor que se pode.”
Terra

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