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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, agosto 27, 2015

50 mil assassinatos registrados por ano no Brasil (mais do que o número de mortos nas guerras da Síria, do Iraque e do Afeganistão)

Chacinas em série. Até quando?


Publicada em 11:00 26/08/2015 - por: Frei Betto
De 17 a 19 de julho, 37 pessoas foram assassinadas em Manaus. As execuções tiveram início após a morte de um sargento da PM ao sair de uma agência bancária.

Curiosamente, chamada aos locais onde ocorrem os crimes, a polícia demorou a chegar... Até hoje nenhum criminoso foi preso.
A 13 de agosto – data considerada fatídica pela superstição – 18 pessoas foram assassinadas e sete feridas em Barueri e Osasco, na Grande São Paulo.
Quando a TV exibe execuções feitas pelo Estado Islâmico, ficamos indignados e torcemos para que o "mocinho” (as tropas do Tio Sam) derrotem o quanto antes o bandido terrorista.
Não olhamos, porém, o próprio umbigo. No Brasil, as mortes não são seletivas, são generalizadas. É a lei do talião levada ao extremo: um policial morto, dez ou mais inocentes baleados aleatoriamente como vingança. Exatamente como procediam os nazistas. A cada prisioneiro foragido do campo de concentração, dez outros eram sorteados para morrer.
Sobre essa atrocidade se ergue a figura exemplar do polonês Maximiliano Kolbe, hoje proclamado santo pela Igreja Católica. No campo em que se encontrava o frade franciscano, houve uma fuga. Ao ver escalado para figurar entre as vítimas da retaliação um operário pai de família, Kolbe se ofereceu para morrer em seu lugar e a troca foi aceita.
Quando ocorre um só assassinato em bairro nobre de uma grande cidade brasileira, a nação fica indignada. Como as vítimas "expiatórias” são escolhidas na periferia, quem se importa?
Arvorados na arrogância de um gigante deitado em berço esplêndido, colecionamos, como troféus de alta criminalidade, as chacinas de Carandiru (1992), Vigário Geral (1993), Ianomâmis (1993), Candelária (1993), Corumbiara (1995) e Eldorado dos Carajás (1996). Tantos mortos, poucos acusados, raros indiciados.
Os 50 mil assassinatos registrados por ano no Brasil (mais do que o número de mortos nas guerras da Síria, do Iraque e do Afeganistão) nos coloca na triste condição de campeões mundiais do crime, segundo a ONU. De cada 100 assassinatos no mundo, 13 são no Brasil, secundado por Índia, México, Colômbia, Rússia, África do Sul, Venezuela e EUA.
Como se faz a boa formação de um policial? É ensinado a ele o que são direitos humanos ou os veteranos incutem no novato que "bandido bom é bandido morto”? Ele aprende a defender a população e respeitar a cidadania de cada pessoa ou, por vestir uma farda e portar uma arma, se compraz em humilhar jovens e negros? Recebe aulas de ética ou se vale da função para extorquir comerciantes? Culmina a sua formação consciente da importância de denunciar colegas corruptos e assassinos, ou considera a corporação acima do bem e do mal?
Enfim, pagamos impostos para sustentar uma polícia incapaz de evitar 50 mil mortes por ano? Com a palavra, as autoridades. E nós, quando vamos refletir antes de eleger autoridades cúmplices e omissas? Sequer cuidamos de fazer com que os sinos dobrem pelas vítimas de chacinas nas áreas do país em que predominam a pobreza e o descaso do Estado.
*http://www.ceert.org.br/acontece/noticia.php?id=8055

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