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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, agosto 15, 2015

o mais arriscado é manter a política de drogas atual

Para Pedro Abramovay, diretor para a América Latina da Open Society Foundations, o mais arriscado é manter a política de drogas atual

PEDRO ABRAMOVAY
SIM - Pedro Abramovay (Foto: época )

"Descriminalizar as drogas é muito arriscado. O Brasil não está pronto.” Esse é o argumento mais ouvido para barrar qualquer inovação na política de drogas no Brasil. Mesmo sabendo que a nossa atual lei de drogas é injusta, cruel e ineficiente, a pressão para insistir no fracasso é enorme.


Nossa lei é cruel porque, ao definir o usuário como criminoso, impede tratamento adequado de quem apresenta um uso problemático e necessita de acesso à saúde. A experiênciainternacional mostra que é muito mais difícil cuidar de usuários problemáticos em um contexto no qual eles são definidos como criminosos do que nos países onde eles podem ser tratados na perspectiva da saúde. Portugal descriminalizou o consumo há 15 anos e praticamente zerou o número de overdoses.

Nossa lei é injusta porque, apesar de definir altas penas de prisão para traficantes e sanções leves para usuários, não estabelece nenhum critério objetivo para diferenciar um do outro. Os critérios aplicados, na prática, são a renda e a raça das pessoas. O negro pobre com uma pequena quantidade de drogas é considerado traficante e recebe penas altíssimas, enquanto o branco de classe média com quantidades idênticas não recebe pena alguma. Cerca de 60% dos presos por tráfico são réus primários, sem ligação com o crime organizado e com pequenas quantidades. Muitos usuários acabam presos como traficantes. Para corrigir essa injustiça, também podemos olhar para o que foi feito em outros países. Dezenas de países estabelecem critérios quantitativos para separar o traficante do usuário com bastante êxito.

Nossa lei também é ineficiente. Em todos os lugares do mundo onde a política de drogas foi baseada na repressão, na prisão e na violência, os resultados foram trágicos. O consumo apenas cresceu. A explosão no número das prisões por tráfico no Brasil não diminuiu o tráfico ou consumo de drogas. Ao prender tantas pessoas que não tinham ligação com o crime organizado em prisões que são controladas por organizações criminosas, alimentamos uma perversa engrenagem do crime que só gera mais insegurança.

É comum ouvir o argumento de que descriminalizar as drogas pode gerar aumento do consumo. É um argumento intuitivo, por isso é tão repetido. Mas o problema das drogas é sério demais para ser tratado com intuições. O Brasil é um dos últimos países, ao lado da Guiana, a manter o consumidor de drogas como criminoso na América do Sul. O estudo Uma revolução silenciosa: políticas de descriminalização de drogas pelo mundo mostra que em nenhum país em que o consumidor foi descriminalizado houve aumento do consumo de drogas.

Devemos ir além? É necessário regular o mercado de drogas da mesma maneira que se faz com o tabaco? A redução de consumo do tabaco a partir de campanhas preventivas foi maior do que a de qualquer droga ilícita como os trilhões gastos na repressão. Vários países têm avançado na direção da regulação responsável do mercado de algumas drogas. Devemos olhar essas experiências com lupa e ver se há algo para aprender com elas.

Foram décadas de esforços monumentais na política da repressão. Centenas de milhares de mortos, trilhões de dólares gastos, milhões de pessoas presas. E o resultado é injusto, cruel e ineficiente. Não querer mudar a política é uma irresponsabilidade. Deixar as coisas como estão é o maior risco que podemos correr.
Pedro  Abramovay é diretor para  a América Latina da Open Society Foundations.  Foi  secretário nacional de Justiça (Foto: Arquivo pessoal)
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