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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, agosto 07, 2015

Vargas, Goulart, Dilma e as ilusões da extrema esquerda

Vargas, Goulart, Dilma e as ilusões da extrema esquerda


por Ignacio Godinho Delgado*

Estamos perto de um desfecho do processo iniciado desde a proclamação dos resultados das eleições de 2014, caracterizado pela disposição de setores da direita brasileira em interromper o curso normal do governo Dilma.
No momento, tal disposição está concentrada nas Organizações Globo, em setores do PSDB ligados a Aécio Neves, em segmentos ultra-reacionários da oposição parlamentar (Caiado et caterva), nas hordas fascistas gestadas e embaladas pela mídia e nos braços do aparato policial e judicial da direita política, representados por grupos da Polícia Federal, jovens procuradores com inclinações salvacionistas e o juiz Moro.
O epicentro da conspiração está radicado nas Organizações Globo. Setores do PSDB ligados a José Serra e Geraldo Alckmin estão reticentes, em meio a especulações sobre o melhor cenário para seus propósitos eleitorais. O PMDB observa, com suas tradicionais divisões, com segmentos ligados a Cunha e/ou ressentidos com Dilma cogitando (se é que já não se decidiram) qual a saída que pode lhe garantir o melhor prêmio.
No meio empresarial, o temor é o aprofundamento de um quadro de conturbação que seja, digamos, ruim para os negócios.
Setores mais tradicionais aspiram a retomada da perspectiva alentada na década de 1990 de nuclear o desenvolvimento na redução do Custo Brasil, notadamente o custo do trabalho, que hoje se expressa na batalha pela terceirização.
É significativo lembrar que Dilma rechaçou energicamente tal perspectiva no seu primeiro governo, reafirmando o propósito de manter a política de valorização do salário mínimo e vetando o projeto que extinguia a cobrança do adicional de 10% na multa do FGTS pago pelas empresas em caso de demissão sem justa causa. As medidas associadas ao ajuste fiscal, incidentes sobre o seguro-desemprego, o abono salarial e as aposentadorias não afetam diretamente o custo do trabalho para os empresários, vinculando-se, antes, a preocupações fiscais. Conquanto controversas, é um grande equívoco coloca-las no mesmo saco.
Há, também, o interesse de investidores estrangeiros na mudança do marco regulatório do Pré-Sal e na ocupação do espaço a ser eventualmente aberto no setores de energia e construção, na esteira da Operação Lava Jato.
Não necessariamente o alcance dos objetivos dos empresários dos setores intensivos em trabalho e dos entreguistas exigiriam a remoção de Dilma, podendo ser efetivado com o enfraquecimento de seu governo e com arranjos no parlamento.
Todavia, tal como ocorre com os setores políticos da oposição hoje reticentes com o objetivo do impeachment, o alinhamento definitivo numa mesma direção – a remoção de Dilma – vai depender do andamento das ações previstas no Congresso e nas ruas. Esta é a expectativa das Organizações Globo: criar um ambiente que torne a alternativa do impeachment inevitável e acolhida por todos os setores de direita.
Boa parte do cenário atual foi gerado pela inabilidade do governo, pela proposição e condução desastradas do ajuste fiscal, pelo recrudescimento da inflação e pela letargia do PT, que erodiram de forma expressiva sua base de sustentação popular.
Não obstante, é uma ilusão perigosa a perspectiva da extrema esquerda de assistir ou colaborar para a derrubada do governo, na expectativa de que assim os interesses dos trabalhadores poderiam ser melhor defendidos. José Maria do PSTU, disse em entrevista recente que “ou estamos contra o governo, dispostos a ajudar nossa classe a derrubá-lo (…) ou vamos estar no campo deste governo com o argumento de que estamos lutando contra o golpe de direita” (ver vídeo em anexo, aos 12 minutos – http://www.revistaforum.com.br/rodrigovianna/geral/pstu-chama-derrubada-governo-de-dilma-roussef/).
É um simplismo monumental. A derrubada de Dilma traz de imediato a liquidação do marco regulatório do Pré-Sal e facilita a aprovação de medidas como a terceirização. Ademais, por que imaginar que os trabalhadores não têm interesse no respeito pela democracia e a normalidade institucional? Por que tomá-las apenas como um instrumento, não obstante as duras réplicas e ineficiências da história?
Em 1954, o PCB, às vésperas da morte de Vargas, alcunhava-o um “aliado do imperialismo”. Sua remoção, ainda que tenha firmado o trabalhismo como identidade política dos trabalhadores, facilitou a consolidação de um modelo de desenvolvimento subordinado ao capital externo. Em 1963, diante do Plano Trienal de Celso Furtado, o combate sem tréguas da esquerda colaborou para minar o governo Goulart, facilitando o caminho do golpe. É possível combater o ajuste fiscal, estar na oposição à esquerda do governo e condenar o golpe que se avizinha. Não fazer isso, pode deixar aliviada a consciência revolucionária em sua infantil expressão, mas serve claramente aos propósitos entreguistas e à erosão dos direitos dos trabalhadores.
*Ignacio Godinho Delgado é professor de História e Ciência Política na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia-Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT-PPED). Doutorou-se em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1999, e foi Visiting Senior Fellow na London School of Economics and Political Science (LSE), entre 2011 e 2012.
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