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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, novembro 09, 2015

Caminhoneiros: locaute não é greve, é golpe

Se as entidades de classe acolheram a proposta apresentada pelo governo, por que algumas cidades ainda sofrem com a paralisação e bloqueio de rodovias? Quem ganha com o caos?
por Sandro Ari Andrade de Miranda
FUTURA PRESS/FOLHAPRESS
caminhoneiros
No locaute, empresas impedem acesso dos trabalhadores aos meios de trabalho
Sempre que observamos um movimento paredista de caminhoneiros, a triste lembrança do Chile volta do passado. Na época, insuflados por uma ação da Agência Norte-americana de Inteligência, a CIA, um grupo de caminhoneiros realizou uma grande paralisação no país visando a conferir legitimidade ao golpe militar que culminou no assassinato do presidente, democraticamente eleito, Salvador Allende.
O resto da história já é do conhecimento de todos. O Chile viveu uma ditadura cruel, das mais selvagens da história, que contou com requintes de selvageria, como o massacre de milhares de oposicionistas do regime num estádio de futebol.
Sendo assim, quando os caminhoneiros do Brasil realizam uma paralisação em diversos estados é preciso separar o joio do trigo, a necessidade do golpismo, a luta política democrática do mero golpismo.
Sem ingressar no mérito das reivindicações, é preciso destacar que a maior parte das organizações de trabalhadores de transporte acolheu plenamente a proposta do governo federal costurada pelo sempre eficiente ministro-chefe Miguel Rosseto, da Secretaria-Geral da Presidência da República. Daí fica a pergunta: se as entidades de classe acolheram a proposta apresentada pelo governo, por que algumas cidades ainda sofrem com a paralisação e bloqueio de rodovias? Quem ganha com o caos?
Com certeza, não são os caminhoneiros, que terão uma lei que garante uma série de direitos trabalhistas sancionada na íntegra pela presidenta Dilma Rousseff, além da isenção do pedágio para caminhões vazios e o congelamento do preço do diesel por um período mínimo de seis meses, dentre outras vantagens.
A resposta está nas entrelinhas do movimento, nas suas contradições, e na presença de atores estranhos e alheios ou contrários à pauta de reivindicação dos trabalhadores. Sugiro olhar e fotografar a placa da maior parte dos caminhões paralisados e, com certeza, teremos uma surpresa ao ver que grande parte é de Santa Catarina ou do Paraná. Ou seja, são caminhões das grandes empresas de transportes, que emplacam os seus caminhões em estados que fazem populismo com o IPVA, e se utilizam da desinformação imposta pela mídia da direita golpista, especialmente a Rede Globo, a Folha de S.Paulo e a Veja, para sustentar uma crise fabricada.
Há uma imensa contradição entre a agenda dos trabalhadores rodoviários, que hoje são submetidos a jornadas humilhantes, com garantias mínimas, ou forçados a falsificar contratos de terceirização dos serviços, e o das empresas de transporte, ou ainda do grande agronegócio, que se aproveitam da fragilidade legal do trabalho da categoria para impor um regime quase escravagista e baixos valores de fretes.
Assim, muitos dos trabalhadores que hoje fazem figuração no movimento paredista são vítimas da ação deliberada do grupo dominante, e sem a menor compreensão do processo político e social defendem a agenda dos seus maiores inimigos, que são os grandes empresários do agronegócio e das grandes empresas de transporte.
Isso não é greve, e sim locaute, ou lockout, para utilizar a expressão britânica. Trata-se de uma prática proibida pela legislação brasileira, exercitada pelos empregadores, que têm por objetivo frustrar ou dificultar o atendimento de reivindicações dos empregados.
No locaute impede-se o acesso dos trabalhadores aos meios de trabalho, ou simplesmente é suspendido o direito ao trabalho através do uso desproporcional da força econômica. O resultado buscado pelos dirigentes dos locautes é sempre o enfraquecimento da pauta da classe trabalhadora organizada para impor um regime de interesse do capital. Não é por acaso que figuras desconhecidas, surgem, do nada, como líderes, normalmente “laranjas” muito bem pagos pelos interessados nos resultados do movimento contrarreivindicatório.
Assim, você brasileiro que hoje sofre com a chantagem egocêntrica de um grupo de caminhoneiros que violentamente bloqueiam a circulação de caminhões, ou com a campanha de pânico imposta pela mídia golpista, especialmente a Rede Globo, fiquem certos de que não são os trabalhadores que lideram essa organização paredista, mas aqueles que se usufruem da exploração de milhares de trabalhadores que atuam no segmento do transporte.
Não há uma greve legítima, esta terminou na quarta-feira (25), na reunião entre o movimento dos caminhoneiros e o ministro Miguel Rosseto. Temos, isto sim, um locaute, medida absolutamente ilegal.
Quais os motivos deste movimento, que curiosamente começou no Paraná, estado onde o governador, vinculado ao PSDB, enfrenta protestos diários pelas denúncias de corrupção e pelo corte dos direitos de servidores públicos, e mostra alguma forma no Rio Grande do Sul, onde o governador José Ivo Sartori promete atrasar o pagamento da folha salarial dos servidores.
Talvez a resposta seja a tentativa de abafar as denúncias contra Aécio Neves e FHC na Operação Lava Jato, ou ainda o vergonhoso escândalo do HSBC, esquecido pela mídia, e que representa o maior caso de corrupção e de lavagem de dinheiro do planeta, ou para dar gás à sede golpista de um grupo de conservadores que não consegue aceitar a perda das eleições de outubro, ou ainda, claramente, para atrasar a sanção da Lei dos Caminhoneiros, que traria uma imensa e justa vantagem para esta importante categoria profissional.
Se estamos diante de um locaute, e não de uma greve, não há mais exercício da democracia, mas sim um típico caso de polícia, e que assim deve ser tratado pelo Ministério Público e pela Polícia Federal.
Sandro Ari Andrade de Miranda é advogado e mestre em ciências sociais
*RBA

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