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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, novembro 21, 2015

Guilherme Boulos: “Nossa saída terá que ser construída nas ruas”

Guilherme Boulos
Guilherme Boulos

A Verdade
 entrevistou com exclusividade Guilherme Boulos, dirigente do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), um dos principais movimentos que lutam pela reforma urbana e pelo direito à cidade no Brasil. Na entrevista Boulos afirma que o Programa Minha Casa, Minha Vida está minado pelo ajuste fiscal, fala da Frente Nacional de Mobilizações Povo sem Medo, iniciativa que pretende realizar mobilizações de rua no próximo período contra o ajuste fiscal e o avanço da direita conservadora, e diz que a saída popular para a crise terá que ser construída nas ruas. |Sandino Patriota, São Paulo|
A Verdade – Como surgiu o MTST e quais são seus objetivos?
Guilherme Boulos – O MTST é um movimento que, desde 1997, organiza a luta por moradia digna, reforma urbana e pelo direito à cidade. Temos atuação em 11 estados do Brasil e mais de 35 mil famílias em nossas ocupações e núcleos comunitários. O entendimento do MTST é que não há conquista de direitos sem amplas mobilizações. E é o que buscamos fazer com ocupações, marchas e bloqueios. Entendemos ainda que a luta por moradia e reforma urbana é essencialmente uma luta contra o capital, no caso o capital imobiliário e da construção, que ganham muito com este atual modelo de cidade.
Como vocês avaliam o programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) do governo federal? O ajuste fiscal trouxe prejuízos ao programa?
O programa MCMV não foi feito para resolver o déficit habitacional, mas para salvar construtoras após o estouro da crise em 2008. O programa surge poucos meses depois. Neste sentido, tem vários limites: as empreiteiras são os principais agentes, a localização e qualidade das moradias são muito ruins, a lógica do programa é a da lucratividade. Por outro lado, depois de 30 anos sem política habitacional (desde o fim do BNH), o MCMV trouxe um volume de subsídio expressivo para moradia, permitindo atender famílias com renda menor que três salários, que são 70% do déficit e que não cabem no crédito imobiliário. Agora, mesmo este mérito do programa está sendo minado pelo ajuste fiscal. 2015 foi um ano morto para a moradia popular.
Qual seu ponto de vista sobre a atual situação da moradia no Brasil?
O déficit habitacional hoje é de 5,8 milhões de famílias, além de cerca de 15 milhões vivendo em moradias sem infraestrutura (o chamado déficit qualitativo). Este problema não se resolve apenas com construção de novas moradias. Mesmo com as construções pelo MCMV o déficit aumentou em várias regiões metropolitanas do país. Porque o ritmo de produção de novos sem-teto é maior, por meio da especulação imobiliária e o consequente aumento dos aluguéis. Sem falar nos grandes despejos e remoções. Nossas cidades são máquinas de criar sem-teto. Para resolver o problema é preciso enfrentar a especulação imobiliária, a lógica da cidade do capital e construir uma política de reforma urbana, não só fazer casas.
Como o MTST se organiza para lutar pela moradia? 
Nossa principal forma de organização são as ocupações. É da experiência de organização coletiva e mobilização das ocupações que o movimento se ergue como uma força social para lutar por moradia, por direitos e por outra saída para a crise atual.
Recentemente foi lançada a Frente Nacional de Mobilizações Povo sem Medo. Por que a frente foi fundada e como vocês avaliam o seu desenvolvimento?
A Frente Povo sem Medo é uma iniciativa de mais de 30 movimentos sociais brasileiros para apresentar uma saída popular e à esquerda para a crise que estamos vivendo, combater a ofensiva da direita, o ajuste fiscal do governo Dilma e suas versões estaduais e apresentar uma plataforma de reformas populares. A proposta do Povo sem Medo é fazer isso nas ruas, com amplas mobilizações, buscando estimular um novo ciclo de luta de massas no Brasil. É uma frente necessária para os desafios da conjuntura.
Em sua opinião, quais serão os desdobramentos da atual crise econômica e política que vive o Brasil? 
Difícil dizer como acabará esta história. De um lado temos uma pressão dos setores mais atrasados da sociedade brasileira querendo costurar uma saída pela direita, com um pacote de retrocessos que ameaçam até mesmo os pontos progressivos da Constituição de 1988. De outro lado, um governo covarde, que cede cada vez mais a cada ataque desta direita, e protagoniza ataques aos trabalhadores com um ajuste antipopular. Uma saída popular não está pautada nas alternativas que têm se discutido da crise política. E nem é possível esperar que seja pautada por estes atores, o governo ou o Congresso nacional. Da parte deles, ou é recomposição de uma governabilidade conservadora ouimpeachment para impor ainda mais ataques. Nossa saída terá que ser construída nas ruas.
*AVerdade

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