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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, maio 01, 2011

A Escravidão e a tortura do regime militar. O Brasil como pária





O Brasil e suas duas caras
“… Depois que a Inglaterra tomou em Viena d’Áustria uma atitude decisiva contra o tráfico de escravos e forçou Portugal a assinar o Tratado de 15 de Janeiro de 1815, era consequente que se regulasse nao só aquele trafico proibido, como ainda a sorte dos africanos transportados por esse comércio ilícito.

Só em 1831 – dezesseis anos depois !!!  – o Império de D Pedro II, hoje promovido pela literatura historialista a Pai da Pátria, baixou Lei para que os traficantes fossem punidos e re-exportassem os africanos ilegalmente trazidos.

E que tudo fosse feito “com a maior brevidade possível”.

A re-exportação e a punição não ocorreram.

” … o governo lesava o direito do ofendido, relevava o ofensor, isto é, o traficante da satisfação ao dano causado e …  fomentava o horrível comércio da escravatura.”

“Não há dias mais deploráveis (na nossa história social) do que aqueles em que se faltou à palavra prometida e se infringiu o tratado.”

De Tavares Bastos, “Cartas do Solitário”, volume 115 da Brasiliana, Cia. Editora Nacional, 4a. Edição, capítulos IX e X, escritos em 1861/2 .

Navalha
Como se sabe, o tráfico prosperou.
Nenhum traficante foi punido.
E a Abolição se deu (incompleta, segundo Nabuco e completa segundo Kamel) em 1888.
D Pedro II, portanto, fez do Brasil o último a abolir a Escravidão.
Viva o Brasil !
Porém, como se vê na obra “solitária ” do liberal alagoano Tavares Bastos, o Brasil, colônia de Portugal em 1815, teve que se submeter – formalmente – a um tratado assinado por Portugal.
Mesmo um regime que se sustentava na senzala e no açoite se cobria de um verniz liberal e copiava ora a França, ora a Inglaterra.
O país não prestava, mas o Imperador era formidável !
Agora, o Brasil dos BRICS, essa potência econômica, a sétima ou quinta do mundo, que se orgulha de ser uma Democracia, pois o Brasil faz da tortura do regime militar o que fazia com o pelourinho.
O Brasil republicano tem as mesmas duas caras – lembra o emérito professor Fábio Comparato – que exibia no Império
É uma Democracia, situa os Direitos Humanos no centro de sua política externa, e desrespeita os tratados que assina, como desrespeitou o que Portugal assinou com a Inglaterra.
Por livre e espontânea vontade , o governo soberano do Brasil assinou um tratado que o submete às decisões da Corte de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, a OEA.
A OEA condenou a Lei da Anistia do Brasil, aquela que anistiou os torturadores do regime militar.
Aqueles que dispensavam aos presos políticos tratamento mais vil que os liberais do Império dispensavam aos negros de suas fazendas de café.
Nenhum traficante de escravo foi punido.
Nenhum torturador será.
Nem mesmo aqueles que cometeram, ordenaram e encobriram atos terroristas como o do Riocentro.
Clique aqui e aqui para ter uma ideia das revelações de Chico Otávio no Globo.
E aqui para ver a denúncia do deputado Paulo Ramos, que revela os mandantes do Riocentro, aqueles que a Globo acoberta até hoje.
A tortura no Brasil será perdoada como o Tráfico e a Escravidão.
O Brasil só cumpre os tratados internacionais que lhe interessam – como recorrer à OMC para retirar subsídios americanos ao algodão.
Mas, no capítulo dos Direitos Humanos, como decidiu nossa Suprema Corte de Justica, somos uma nação fora da Lei.
Uma espécie de pária.
Mais próximo da Líbia de Kadafi do que da Franca ou da Inglaterra.





Em tempo: essas inúteis reflexões se devem a Alfredo Bosi, que, em “Ideologia e Contra-Ideologia”, recomenda ler Tavares Bastos, um notável percursor de Nabuco.

E a meu dileto amigo de batalhas perdidas, Luiz Felipe de Alencastro, autor do clássico “Trato de Viventes”, que, num certo restaurante do Quartier Latin (“um dos últimos restaurantes franceses de Paris”, segundo ele) chamou a atenção para esse nexo entre o acordo para a cessação do trafico de viventes e o desrespeito à OEA. Nem na infração a Suprema Corte foi original !


Paulo Henrique Amorim

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