Sem-teto são unha encravada no centro de São Paulo, diz Mano Brown
Cinco
anos após um show que terminou em pancadaria na praça da Sé, o grupo de
rap Racionais MC's volta sua artilharia para o centro de São Paulo.
É
terça à noite, e Mano Brown, KL Jay, Edi Rock e Ice Blue estão na rua
Mauá, 340, ao lado da Estação da Luz. O que um dia foi o Hotel Santos
Dumont parece, para quem vê de fora, uma edificação em ruínas.
O líder do Racionais sobe num tablado, colocado no pátio central do prédio, e se dirige às famílias de movimentos de sem-teto.
“Para eles (poder público), o ser humano é um mero detalhe. Não é o povo deles que está aqui, que vai ser despejado!” Todos aplaudem, inclusive donas de casa que assistem à movimentação da janela de seus dormitórios.
Brown
decidiu gravar o clipe da música “Marighella” - sobre o guerrilheiro
comunista Carlos Marighella (1911-1969) - num local com todos os
ingredientes para se tornar um novo Pinheirinho - só que, dessa vez, no
coração da metrópole, numa região sob disputa política por conta do
projeto Nova Luz e das recentes operações anticrack.
Segundo
ele, a gravação foi a maneira encontrada para apoiar as mais de 1.300
pessoas que moram no local há quase cinco anos. A Justiça determinou
neste mês a reintegração de posse, cuja data será definida em julho.
Embalados
pelo discurso de Brown, os integrantes do Racionais e o rapper Dexter
emendam um pocket show de luxo. Hits como “Nego Drama” e “Vida Loka
(Parte 2)”, pelos quais se costuma pagar alto para ouvir em clubes de
“playboys”, jorram um atrás do outro para os sem-teto.
Folha - O que veio fazer aqui?
Mano
Brown - Eu já vinha acompanhando o caso da ocupação pelo noticiário.
Estava indiretamente engajado, e o pessoal do movimento vinha falando
que a gente precisava gravar aqui, porque aqui é onde estão as ideias do
Marighella.
Como foi gravar na Mauá?
A
ficha ainda não caiu. Eu já tive oportunidade de cantar falando das
coisas dentro da coisa em si, como na casa de detenção. A gente fez a
música “Diário de Um Detento” e cantamos dentro da detenção (Carandiru),
antes dela cair. Foi mais ou menos como hoje aqui. O Marighella falava
sobre isso: reforma agrária, divisão das terras, justiça social. E aqui é
como se fosse a unha encravada da cidade. É um problema que eles (poder
público) não querem, não têm sensibilidade para resolver como deveriam.
Como vê as ações recentes aqui na cracolândia?
Isso se chama especulação imobiliária.
Já fizeram isso em São Paulo no começo do século 20. Fizeram isso no
Rio de Janeiro, no Bronx, em vários lugares. É um lance racial. São
Paulo foi forjada assim. O que a gente tá vivendo aqui é resquício da
época da escravidão, são as mesmas fórmulas. Eles querem “limpar”, sumir
com o problema, e não resolver.
Acho que eles
(sem-teto) têm que lutar mesmo. Não tem que demarcar território para A, B
ou C. Se eles estão vivendo aqui, eles têm que continuar aqui. E o rap
deve ajudar. Eu sei que eu tenho um peso e que eu posso colaborar.
E a prisão do rapper Emicida em Belo Horizonte?
O
Brasil está em transição. O Brasil não sabe se é um país moderno ou se
ainda está em 1964. Essa geração da direita... eles falam que não existe
direita, mas existe direita. Kassab é de direita, Alckmin é de direita, certo? Eles falam que não, mas têm o mesmo modus operandi dos caras da antiga, de usar a força, de usar o poder e de passar para frente o B.O. para outro resolver.
Acha que essa causa da Ocupação Mauá vai conseguir apoio da população de São Paulo?
A
sociedade primeiro tem que se sensibilizar. São Paulo é uma terra em
que as pessoas são muito individualistas. Usa-se o termo reacionário,
né? Grande parte da população vê eles (sem-teto) como um problema e prefere se livrar deles usando o sistema. Isso é uma coisa bem de São Paulo. A pessoa cai aqui, você passa por cima e vai embora. Isso é São Paulo.
Quem
mora lá (na periferia) fica isento de muita coisa, tem um lugar
reservado, mas fica longe de tudo. E aqui eles estão perto de tudo, e
isso tem um preço. Estar perto do progresso tem um preço. Então querem
cobrar esse preço deles. Você não tem direito de estar perto do
hospital, da estação de trem, do metrô, você não tem direito de estar a
cinco minutos do trabalho. Você tem que estar lá no fundo, onde as
pessoas que não têm direito estão.
Ninguém é
dono de São Paulo e o paulista não é dono de São Paulo. O brasileiro é
dono de São Paulo, como é também dono da Bahia, dono de Minas Gerais...
O que acha da Comissão da Verdade?
Tem
que fazer justiça mesmo. Tem que buscar o pé da fita mesmo, como dizem
lá na minha quebrada, e tem que punir quem tem que ser punido. Se é que
eles estão vivos ainda. Vai punir quem? Quem tá vivo para ser punido?
Igual o (ditador chileno Augusto) Pinochet, que foi preso com oitenta e
tanto. Vive bem, dorme bem, come bem, aí vive 90 anos. E o trabalhador
mesmo...
O espaço do rap na Virada Cultural diminuiu. Isso tem a ver com o show do Racionais de 2007, na Sé?
Com certeza, isso daí tem a ver com o Kassab.
Você acha que a Prefeitura de São Paulo ainda não superou, não esqueceu?
Não
esqueceu, mas é lógico que o Racionais é a ponta do iceberg. O
Racionais é um grupinho, é grão de areia perto do problemão que eles têm
que enfrentar. Eu não ligo pelo rap, eu não ligo pelo estilo musical.
Eu brigo por uma raça, por um povo. Não está acontecendo só com o rap
isso. Os caras estão invadindo as festas nos bairros, os pancadões que o
pessoal faz na rua. Não tem carnaval na Bahia, que é popular, que
acontece na rua? Não tem carnaval na rua lá no Rio? E por que não pode
ter em São Paulo?
No: Folha
Ps. do O Carcará:
Apesar de ser conduta “obrigatória” deste blogueiro em informar a fonte
de onde a notícia foi retirada quando os textos não são de minha
autoria, confesso que quando se trata do PIG, resisto em colocar o link. Mas informo a fonte.
Nesse
caso, por se tratar de um integrante do PIG que foi um dos mais
colaborativos com a Ditadura Militar, emprestando até veículos ao
“sistema”, fiquei tão surpreso com o conteúdo da entrevista que coloquei
o link completo da reportagem, uma vez que até eu mesmo duvidei que
pudesse ser veiculado nesse jornal. Mas ninguém ouse pensar que isso
muda em alguma coisa minha posição contra esse diário golpista.
Como pode ser visto, os links inseridos na reportagem são de O Carcará.
*Ocarcará
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