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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, julho 24, 2013

Papa é um Feliciano com mais poder e apoio da Globo







Homofobia, machismo, apego ao dinheiro, religião interferindo no Estado. Os motivos que inspiram o “Fora Feliciano” se aplicam ao papa. Com o agravante de que ele é bem mais poderoso
Os evangélicos estão sendo injustiçados. O tsunami de críticas que atingiu Marco Feliciano, Silas Malafaia e demais líderes evangélicos fundamentalistas se aplica ao papa Francisco e à Igreja Católica. Explico: as mesmas bandeiras conservadoras levantadas pelo presidente da Comissão de Direitos Humanos do Congresso estão no centro da atuação da igreja católica há séculos. E o argentino Mario Bergoglio, agora chamado de Francisco, comunga destes ideais e não se mostra disposto a alterá-los. Pelo contrário.
Vamos por partes:
Primeiro, a homofobia
Muito se reclamou da atuação de Feliciano contra os direitos fundamentais dos homossexuais. A coleção de frases e a atuação do pastor não deixam dúvidas quanto à sua posição. Como é sabido, a igreja católica igualmente condena a homossexualidade, e considera pecado o amor da população LGBT.
O próprio Francisco, pessoalmente, demonstra preocupação com o que chama de “lobby gay” no Vaticano. Conforme revelou o site católico Reflexión y Liberación, o pontífice afirmou o seguinte em uma audiência recente com a diretoria da Confederação Latino-Americana e Caribenha de Religiosos: “Na Cúria há gente santa de verdade. Mas também há uma corrente de corrupção, é verdade. Fala-se de lobby gay, e é verdade, ele está aí… temos que ver o que podemos fazer”.
Segundo, os direitos da mulher
Em entrevista para o livro “Religiões e política”, o deputado do PSC-SP afirmou o seguinte: “Quando você estimula uma mulher a ter os mesmos direitos do homem, ela querendo trabalhar, a sua parcela como mãe começa a ficar anulada, e, para que ela não seja mãe, só há uma maneira que se conhece: ou ela não se casa, ou mantém um casamento, um relacionamento com uma pessoa do mesmo sexo; [assim] você destrói a família, cria-se uma sociedade só com homossexuais, e essa sociedade tende a desaparecer, porque ela não gera filhos”.
A igreja católica sempre tratou a mulher de forma diferenciada. A começar pelo fato de que elas não podem ser ordenadas. Aos homens (padres) cabe orientar os fiéis, ditar os rumos da igreja e do mundo. Às freiras cabem tarefas como cuidar dos enfermos e necessitados e, por exemplo, cozinhar, lavar e passar para o “homem simples de fala mansa” que está entre nós.
Mais: estão sendo distribuídas 2 milhões de cópias de um Manual de Bioética durante a visita do papa ao Brasil, sendo quase a metade da tiragem a versão em português, segundo informações da Confederação Nacional de Bispos Brasileiros. De suas 72 páginas, praticamente a metade traz pilhas de informações “científicas” e julgamentos morais contra o aborto. O restante divide-se entre a condenação de pesquisas com células-tronco, a condenação da inseminação artificial e a condenação da eutanásia.
O direito sobre o próprio corpo, uma questão que o movimento feminista do mundo todo considera vital desde a década de 1960, é classificado como “crime” em diversos pontos do texto. De acordo com o manual, mesmo em caso de estupro ou de inviabilidade do feto, a interrupção da gravidez não pode ser sequer aventada: “O direito de matar o próprio filho não pode ser fonte de liberdade nem de realização pessoal”. Todos os métodos contraceptivos, pílula e DIU inclusive, são considerados abortivos e criminosos.
Em terceiro lugar, o apego ao dinheiro
Causou espécie um vídeo que circulou recentemente, no qual o pastor Marco Feliciano pedia a senha de um cartão de crédito para um fiel, dizendo que, caso a senha não fosse revelada, “o milagre não viria”. Costuma ser igualmente criticada a cobrança do dízimo por parte de igrejas evangélicas –como se a igreja católica não o fizesse.
Tudo isso, contudo, é esmola perto do patrimônio misterioso e incalculável da igreja católica. A revista Exame fez uma reportagem bastante reveladora sobre o Banco do Vaticano. Entre diversos casos de lavagem de dinheiro, escândalos sexuais, corrupção e má administração relatados pela publicação, destaco uma informação: o banco gere cerca de 6 bilhões de euros em ativos. Vou repetir: 6 bilhões de euros.
Isso sem contar as milhares de propriedades da igreja católica ao redor do globo todo. Não sou um estudioso do cristianismo, mas acredito que valores como ajuda ao próximo, desapego e amparo aos pobres não combinam com a acumulação de fortunas dessa grandeza. Mesmo que o chefe da instituição prefira andar num fiat “sem luxo” e dormir num “quarto simples”.
Em quarto lugar, a promiscuidade com o poder público
papa francisco globo
Fiel chora de emoção no Jornal Nacional ajoelhada
diante de microfone da Globo (Reprodução)
Muito se critica Feliciano e a bancada evangélica por usarem o poder público que detêm para obter vantagens para suas instituições. O que afronta o conceito de estado laico. O catolicismo faz o mesmo.
O amplo uso de estruturas e verbas públicas durante a visita de Francisco; o mesmo lobby para isenções fiscais e outras benesses financeiras; a mesma submissão dos governantes (de Dilma ao vereador de Pindamonhangaba). Mais: há crucifixos em repartições públicas (desrespeitando os evangélicos, inclusive) e mensagens religiosas nas notas de dinheiro, que são um símbolo nacional. E por aí vai.
(Parênteses: pedofilia)
Aqui não há o paralelo com Feliciano, mas vale lembrar das inúmeras acusações de abuso sexual contra padres no mundo inteiro, muitas cometidas contra menores e encobertas pelo Vaticano. A situação é tão grave que a ONU pediu, agora no começo de julho, esclarecimentos sobre os crimes cometidos por padres em todo mundo. Como o vaticano é membro das Nações Unidas e tem a falta de transparência como uma de suas marcas, a ONU quer saber o que a Igreja Católica têm feito de efetivo contra os criminosos que foram descobertos em suas fileiras.
Por fim, o apoio da mídia
Aqui, uma das maiores injustiças com Marco Feliciano. O pastor é hostilizado por todos, TV Globo inclusa. Suas posições, conforme demonstrado, são irmãs siamesas das defendidas por Francisco e pela religião que comanda. E dos dogmas vindos de Roma ninguém reclama.
Pior: a maior TV do país (bem como quase todos os outros veículos de imprensa) ajoelha-se ao mandatário da tv católica. E não acredito ser esta uma decisão baseada somente pela audiência. A missa de domingo está na grade da Globo há décadas –atualmente é celebrada ao vivo pelo Padre Marcelo. E a emissora, apenas recentemente, de olho na perda de audiência e de dinheiro, começou um flerte institucional com os evangélicos, inaugurado com o festival de músicas gospel Promessas.
Pare finalizar, deixo vocês com algumas frases do primeiro bloco do Jornal Nacional desta segunda-feira. Tentem imaginar Marco Feliciano ou qualquer outro líder evangélico sendo tratado desta forma pelo noticioso visto por quase metade da população brasileira toda noite:
“De papamóvel, fez um passeio que vai ficar na memória dos fieis”
“Distribuiu simpatia”
“Mais perto do povo, do jeito que o papa Francisco gosta”
Fiel: “Foi um presente de Deus, eu consegui estar perto dele e pude constatar que ele realmente é esse pastor humilde, amigo do povo e que veio pra resgatar mais fieis pra igreja católica”
“Deixou uma legião de fieis encantados”
“Santo, abençoado, humilde… os elogios vão brotando”
Fiel: “Ele é gente como a gente”
“A cada esquina ele faz novos amigos”
“Os gritos pareciam saídos de um show de rock”
“Se fosse só isso, já valeria a pena, e o papa Francisco acabou de chegar”.
Lino Bocchini, jornalista de CartaCapital
*comtextolivre

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