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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, junho 05, 2015

Ferrovia transcontinental reflete sabedoria de Brasil e China, diz economist

Ceci JuruaEm entrevista ao Portogente, a economista Ceci Juruá fala sobre a Ferrovia Transcontinental, anunciada pela presidenta Dilma Roussef, na última semana. Juruá avalia que o empreendimento irá ampliar o intercâmbio comercial entre o Brasil e as zonas de forte crescimento econômico localizadas na Ásia, que, além da China, incluem Japão, Índia e Coreia do Sul. 
Para a economista, a Transcontinental retoma a prioridade do Brasil em utilizar estradas de ferro e trata-se de uma aliança histórica entre Brasil e China, pois ambos resistiram a projetos imperiais anglo-saxão e se unem nesse projeto estratégico que reflete a sabedoria dos atuais governantes. 
“Para o Brasil será a oportunidade de reconfigurar novas modalidades de cooperação internacional, em bases mais igualitárias e mais democráticas”, avalia. Ela defende a criação de uma empresa estatal ou de economia mista e que empresas brasileiras façam os estudos de implantação da ferrovia. “Esta é a única modalidade institucional compatível com a manutenção da plenitude da soberania nacional sobre tão vasto território. Compatível também com a minimização dos riscos ambientais e com a preservação das vantagens decorrentes de nossa Floresta Amazônica.” 
Portogente - Qual a sua opinião sobre a construção de uma megaferrovia por China, Brasil e Peru, que ligará os dois países sul-americanos, criando um corredor de trilhos entre os Oceanos Atlântico e o Pacífico?
Ceci Juruá - Encaro com satisfação e otimismo o anúncio de construção da ferrovia Transcontinental, entre Brasil/Rio de Janeiro e Peru. Trata-se de obra inserida nos planos de governo de Lula e Dilma, iniciativa que sinalizou a devolução de merecida prioridade às estradas de ferro, pois paralelamente à ampliação da malha foram criados incentivos à retomada da produção nacional de material ferroviário. Corrigimos assim o equívoco incorrido nas décadas de 1960 e 1990, quando muitos ramais foram desativados e privatizados, perdendo-se inclusive o que havia sido uma conquista da Era Vargas no transporte internacional, as ligações ferroviárias do Brasil com quatro países da América do Sul: Uruguai, Argentina, Bolívia e Paraguai. A integração econômica, social e cultural dos países da América do Sul não pode prescindir da ferrovia, a modalidade mais eficiente e segura para deslocamento de passageiros e de carga em grandes distâncias. É preciso lembrar, ainda, que as ligações por estradas de ferro constituem uma aspiração histórica de nossos povos desde a segunda metade do século XIX.


 Portogente - Em que medida essa ferrovia é estratégica para o desenvolvimento do Brasil e para as relações comerciais com a China?Juruá - A Ferrovia Transcontinental ora projetada vai favorecer, ainda, a ampliação do intercâmbio comercial entre o Brasil e as zonas de forte crescimento econômico localizadas na Ásia. Além da China, eu citaria o Japão, a Índia e a Coréia do Sul.  Também ficará facilitado o comércio com as áreas da costa oeste dos Estados Unidos e com países fronteiriços do Peru (Colômbia, Equador e Chile, por exemplo). Do ponto de vista estratégico, portanto, pode-se afirmar que a Ferrovia Transcontinental é uma obra afinada com o objetivo permanente da nossa diplomacia desde Rio Branco, a inserção do Brasil como global player na sociedade mundial. Analisando a construção da Estrada de Ferro Noroeste (entre Bauru e Corumbá), no inicio do século passado, Fernando de Azevedo enfatizou “o papel dos caminhos na vida das unidades políticas, sempre destinados a permitir ao Estado o livre e fácil emprego de todos os seus recursos e de todos os seus poderes e a conservação de relações fáceis com os países vizinhos que importam à sua vida”.  Para esse autor, um grande estudioso de nossas ferrovias, a E.F. Noroeste foi um desses caminhos políticos, uma via de penetração configurada idealmente por ocasião da política de centralização do Império e admitida como necessária após o final da Guerra do Paraguai.  Talvez por esta razão tenha sido a primeira ferrovia privatizada, em leilão ao qual se apresentou um único comprador: a norte-americana Noel Group.   
Portogente - Por que essa ferrovia é tão importante para a China, que enviou seu primeiro-ministro para fazer as tratativas preliminares com o Brasil e Peru?
Juruá - Não posso responder pela China, faltam-me conhecimentos para isto.  Mas suponho que tal interesse esteja vinculado às novas oportunidades de intercâmbio comercial e à fixação de uma nova fronteira de investimentos fora da China, no maior país da América do Sul. Trata-se ainda de uma aliança justificada historicamente, pois ambos, Brasil e China, estiveram inseridos passivamente em zonas imperiais sob-hegemonia anglo-saxã. Que estejam unidos agora em um projeto estratégico dessa relevância, em tempos de multipolaridade, é uma decisão que reflete a sabedoria dos atuais governantes.  Para o Brasil será a oportunidade de reconfigurar novas modalidades de cooperação internacional, em bases mais igualitárias e mais democráticas. 

Portogente - Em termos de investimentos e impactos ambientais, que custo-benefício gera a construção dessa ferrovia?
Juruá - A relação custo-benefício, para o Brasil, não é dada a priori obviamente.   Vai depender das negociações e das entidades responsáveis pelo detalhamento do projeto.  Hoje nós dispomos de um corpo técnico suficientemente qualificado em matéria de construção ferroviária, mas também de estudos históricos sobre vantagens e prejuízos vinculados às nossas estradas de ferro.  Conhecemos relativamente bem a cobiça dos estrangeiros por nossas terras férteis e por nossos recursos minerais, e suas formas lícitas e/ou ilícitas de apropriação privada de lucros e socialização dos prejuízos. Sobretudo naquelas áreas do Brasil central houve imensos latifúndios geridos por estrangeiros, muitas vezes dotados de grupos armados, milícias particulares, geradores de inúmeros conflitos com posseiros e com as autoridades brasileiras. Defendo por isto que os estudos de implantação dessa Ferrovia Transcontinental sejam feitos por empresas brasileiras e aproveitem a experiência por nós acumulada em matéria de construção ferroviária. À luz dessa experiência e dos estudos feitos por ocasião de minha tese, eu diria que a Transcontinental deve ser organizada como empresa estatal ou de economia mista, proprietária da infraestrutura e das áreas lindeiras.  Esta é a única modalidade institucional compatível com a manutenção da plenitude da soberania nacional sobre tão vasto território.  Compatível também com a minimização dos riscos ambientais e com a preservação das vantagens decorrentes de nossa Floresta Amazônica.

*https://portogente.com.br/noticias/transporte-logistica/ferrovia-transcontinental-reflete-sabedoria-de-brasil-e-china-diz-economista-86190

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