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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista
quinta-feira, maio 20, 2010
Capitalismo em crise.... O medo dos europeus. E dos Estados Unidos
Capitalismo em crise....
O medo dos europeus. E dos Estados Unidos
Fears Intensify That Euro Crisis Could Snowball
por NELSON D. SCHWARTZ e ERIC DASH
Do New York Times (em inglês, aqui) via Viomundo
Depois de uma breve pausa que se seguiu ao anúncio na semana passada de um plano de ajuda de 1 trilhão de dólares da Europa, o medo nos mercados financeiros está crescendo novamente, desta vez com preocupações com o fato de que os grandes bancos continentais vão enfrentar dificuldades que poderão prejudicar as economias europeias.
Num sinal de profunda ansiedade, o euro caiu na sexta-feira a seu ponto mais baixo desde o início da crise financeira, quando investidores abandonaram a moeda, assim como ações, em favor de ouro e de outros bens que oferecem mais segurança.
Nas negociações de segunda de manhã, o euro caiu de novo, chegando num momento e atingir um patamar recorde de quatro anos em relação ao dólar.
O presidente do Banco Central europeu, Jean-Claude Trichet, numa entrevista publicada sábado, advertiu que a Europa está diante de “severas tensões” e que os mercados estão frágeis.
Para os bancos europeus, os problemas são duplos. Os custos de empréstimos de curto prazo estão aumentando, o que poderia levar as instituições a evitar novos empréstimos ou se desfazer dos antigos, ameaçando o crescimento econômico.
Ao mesmo tempo, instituições mais seguras em economias sólidas como a França e a Alemanha tem grande quantidade de ações de seus vizinhos trêmulos, como Espanha, Portugal e Grécia.
Os investidores temem que com muitos governos sob o peso de grandes déficits, a dívida das nações mais fracas que usam o euro como moeda terá de ser reestruturada, reduzindo profundamente o valor de seus papéis. Isso acertaria duramente as instituições financeiras europeias e poderia ricochetear em todo o sistema bancário global.
Papéis ligados aos bancos europeus perderam valor na sexta-feira por causa deste temor, e Wall Street seguiu. As ações também cairam em Tóquio e na Austrália no início dos negócios da segunda-feira.
“Este resgate não foi feito para salvar os gregos; foi feito para ajudar os bancos franceses e alemães”, disse Niall Ferguson, um historiador de economia de Harvard. “Jogaram alguma água no fogo, mas o fogo não foi extinto”.
O plano de resgate europeu, totalizando 750 bilhões de euros, tem o objetivo de evitar o risco de quebra, mas aumentaria vastamente os empréstimos. Isso poderia impedir a nascente recuperação econômica da Europa.
Na verdade, foram as dívidas que causaram o problema inicial: um novo relatório do Fundo Monetário Internacional adverte que “os altos graus de endividamento público poderiam pesar no crescimento econômico por anos”.
O déficit mundial como porcentagem do PIB está em 6%, quando estava em apenas 0,3% antes da crise financeira. Se o endividamento público não for reduzido ao nível de antes da crise, diz o relatório do FMI, o crescimento econômico das economias avançadas poderia cair 0,5 ponto percentual anualmente.
Mas nem todas as tendências são negativas. Um euro mais baixo vai tornar as exportações europeias — sejam os automóveis alemães ou os objetos de couro italianos — mais competitivos em todo o mundo. E a Grécia, a Espanha e Portugal tomaram medidas de austeridade na semana passada para reduzir os seus déficits orçamentários.
Esses passos não foram suficientes para prevenir o sumiço de dinheiro dos fundos “money market”, uma esquina pouco notada mas crucial do sistema financeiro na qual os investidores americanos oferecem mais de 500 bilhões de dólares em empréstimos para que os bancos europeus financiem suas operações diárias.
O dinheiro vem de fundos conservadores que controlam a poupança de grandes corporações dos Estados Unidos e de consumidores individuais.
Até agora, o pacote de resgate proposto não conseguiu reduzir a preocupação destes fundos, que cortaram os empréstimos para os bancos europeus e estão exigindo maiores taxas de juros e repagamento mais rápido.
“Mais gente está tomando decisões de sim ou não para cair fora deste mercado e manter o dinheiro mais perto de casa”, disse Lou Crandall, o economista-chefe do Wrightson ICAP, uma empresa de pesquisa do mercado.
Inicialmente, foram os bancos gregos e portugueses que foram desprezados pelos investidores americanos. Mas nas últimas duas semanas os grandes bancos da Espanha, da Irlanda e da Itália tiveram dificuldades para assegurar empréstimos de curto prazo dos Estados Unidos por causa do aumento da ansiedade.
Na sexta-feira, mesmo os bancos de sólidas economias europeias, na França, Alemanha e Holanda, foram afetados, de acordo com corretores e analistas de mercado.
“Os investidores estão esperando para ver se o pacote de estabilização é de fato adotado”, disse Alex Roever, um analista da J.P. Morgan Securities.
“Enquanto os investidores sentem a situação, ficamos pendurados no limbo”.
Por causa do recuo dos investidores americanos, a taxa que os bancos cobram uns dos outros para empréstimos, conhecida como Libor para London Interbank Offered Rate, tem subido constantemente. E a importância da Libor vai muito além da Europa: é a taxa que ajuda a determinar as taxas de juros em muitos empréstimos imobiliários e nos cartões de crédito dos consumidores dos Estados Unidos.
As taxas de empréstimo dos bancos ainda estão bem abaixo do ápice da crise financeira. Temor de que os problemas da Europa façam efeito nos Estados Unidos, no entanto, levou o Banco Central americano a retomar linhas de crédito para o Banco Central Europeu e outros bancos centrais em conjunção com o pacote de resgate europeu anunciado uma semana atrás.
A medida garantiu que as instituições europeias poderão tomar dólares para emprestar a seus clientes, mas isso é mais caro do que contar com o dinheiro de investidores privados.
“Não fizemos isso por amor especial à Europa”, Narayana R. Kocherlakota, o presidente do Banco Central de Minneapolis, disse a um grupo de pequenos empresários de Wisconsin na quinta-feira. “Somos autoridades dos Estados Unidos e tomamos decisões para manter a economia americana forte”. No entanto, ele disse, “os problemas de liquidez nos mercados europeus podem criar problemas perigosos de falta de liquidez em nossos próprios mercados financeiros”.
Não é o único dominó que pode cair.
Se a exposição direta de bancos americanos à Grécia é mínima, as instituições financeiras dos Estados Unidos estão fortemente interligadas a grandes bancos europeus, os quais tem grandes investimentos nas nações mais fracas da Europa.
Por exemplo, os bancos portugueses devem 86 bilhões de dólares a bancos da Espanha, que por sua vez devem 238 bilhões a bancos alemães e 220 bilhões de dólares a bancos franceses. Os bancos americanos também controlam grande quantidade de dívida de bancos espanhóis, cerca de 200 bilhões de dólares, de acordo com o Banco de International Settlements, uma organização global que serve a bancos centrais.
Além disso, os formuladores das políticas financeiras se encontram quase sem armas em seu arsenal.
Depois de emprestar trilhões para estimular suas economias e acabar com as preocupações de crédito durante a última onda de medo no fim de 2008 e início de 2009, os governos não podem emprestar outros trilhões sem causar inflação e atropelar outros emprestadores, como indivíduos e companhias. As taxas de juros de curto prazo, próximas de zero nos Estados Unidos, não podem mais ser reduzidas. E passos vitais como o aumento de impostos ou corte de investimentos poderiam atrapalhar o início da recuperação econômica do norte da Europa e piorar a situação de economias em dificuldades como a da Espanha, onde o desemprego recentemente ultrapassou 20%.
Com a exceção dos tempos de guerra, “as finanças públicas da maioria dos países industriais avançados estão em estado pior hoje do que em qualquer outro período desde a revolução industrial”, Willem Buiter, o principal economista do Citibank, escreveu em um relatório recente.
“Restaurar o equilíbrio financeiro vai emperrar o crescimento por muitos anos”.
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