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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista
segunda-feira, maio 24, 2010
Irã: um grande país
Irã: um grande país
Aloizio Mercadante
Os livros de história guardarão essa data, segunda- feira, 17 de maio, quando o Brasil e a Turquia propuseram à ONU um acordo negociado com Teerã sobre um aspecto do problema nuclear iraniano (Le Monde,19/5/2010).
De Gaulle, zeloso da grandeza da França, dizia que a política mais ruinosa é a de ser pequeno. Tinha razão. A política de ser pequeno torna pequenos países que poderiam ser grandes. Pois bem, o Brasil, no governo Lula, abandonou a política de ser pequeno, periférico. Nosso país pratica agora a política de ser grande e ocupa cada vez mais espaço no cenário internacional, colhendo bons dividendos econômicos e políticos.
O Memorando de Entendimento celebrado entre Brasil, Turquia e Irã, que abre as portas para uma solução negociada relativa à espinhosa questão do programa nuclear iraniano, é exemplo cabal dessa política. O Oriente Médio sempre foi visto como zona de influência exclusiva das superpotências, especialmente dos EUA. Talvez por isso mesmo, é uma área em conflito permanente. Alguns países da região, como a Turquia, estão cansados dessa instabilidade.
O mundo, ou sua maior parte, também. Enganam-se aqueles que acham que os conflitos daquela região têm consequências geograficamente restritas. Essa ilusão acabou em 1973, no primeiro choque do petróleo. A instabilidade do Oriente Médio gera instabilidade mundial. Por isso, o Brasil resolveu dar a sua contribuição. Nosso país, um soft power ancorado numa competente diplomacia e num chefe de Estado com notável capacidade de negociação, tinha todas as condições para fazê-lo. Não gerávamos as desconfianças que outros criavam e possuíamos o cacife político-diplomático de termos articulado os interesses dos países emergentes em diversos foros mundiais.
Assim, fechamos um acordo cujas bases são exatamente as mesmas das propostas pelos EUA e aliados há apenas oito meses. O crucial era trazer o Irã à mesa de negociações e fazer com que ele concordasse em enviar seu estoque de urânio enriquecido em 3,5% ao exterior, para ser enriquecido em 20%. Por diversos motivos, os antigos negociadores não conseguiram. Porém, nós tivemos êxito onde as superpotências fracassaram.
Tal êxito, gol histórico da nossa política externa, foi aplaudido por muitos. Afinal, conseguimos abrir as portas do diálogo e da negociação para solucionar um problema que tensiona o mundo. Evidentemente, o acordo trilateral necessitará ser chancelado pelo Grupo de Viena (EUA, França, Rússia e a AIEA). Mas não há mais motivos racionais para não prosseguir na rota do entendimento. Os principais entraves à negociação foram removidos.
Entretanto, interna e externamente, a ação brasileira pela paz tem críticos. No plano interno, há aqueles que acham não ter relevância o acordo. São os mesmos que consideravam que o Brasil fracassaria em sua tentativa de intermediar um conflito que não era de sua alçada. São também os mesmos que confundem interesses político-eleitorais com o interesse nacional. Na ânsia de criticar o governo, criticam o Brasil e seu novo protagonismo internacional.
No plano externo, os críticos são animados por razões diversas. Há aqueles que não têm real interesse em tentar o diálogo com o Irã. Apostam no isolamento e na desestabilização do regime iraniano. Um caminho perigoso e imprevisível, que Obama havia prometido evitar, dialogando com os adversários dos EUA. Para eles, o acordo obtido pelo Brasil é um estorvo, e deveria ter o mesmo destino do nosso embaixador Bustani, que tentou contribuir para resolver a questão iraquiana pela via pacífica e foi, por isso, defenestrado da OPAQ. Há também aqueles que continuam achando que somente as superpotências podem ter voz nas grandes questões internacionais. Não entendem que o mundo está mudando. Há nova geoeconomia e nova geoestratégia em construção. O Sul emergente está ocupando espaços que antes estavam reservados ao Norte desenvolvido. Nesse sentido, o acordo alcançado pelo Brasil é bem mais do que uma iniciativa que possibilita a paz; ele é um marco histórico que sinaliza o surgimento de nova ordem mundial, mais plural e simétrica, a qual demandará, entre outras coisas, a reforma do Conselho de Segurança da ONU.
Uns e outros críticos são movidos por motivos menores que as razões que assistem à busca da paz e de uma nova ordem internacional mais estável e justa. Praticam, muitas vezes, política apequenada, mesmo sendo grandes potências. Já o Brasil, que não tem a condição de superpotência, demonstrou ser, independentemente do que venha a ocorrer com o acordo firmado, um grande país.
* Senador (PT-SP)
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