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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, maio 21, 2010

Lula, o brasileiro




Lula, o brasileiro


O acordo tripartite Brasil-Irã-Turquia tem, para nós brasileiros, um sentido histórico inegável e apenas timidamente reconhecido por uma mídia nacional, que de tamanha má vontade com nosso presidente já abalou sua credibilidade informativa com parte significativa da mídia global.

Talvez o Irã não cumpra o acordado, como afirmam as grandes potências, talvez a guerra seja inevitável. Mas há uma dimensão da situação que é certamente inescapável, como afirmam analistas e experts entrevistados pelo portal de notícias UOL. O Brasil passará a ter outro papel na geopolítica global, independentemente até de seu presidente. Estranhamente a mídia não anunciou que passávamos a ocupar um papel relevante no globo por conta também da habilidade de nosso presidente, mas agora anuncia que não dependemos mais dele para ter tal projeção.

Fazer piada com as frases inusitadas de nosso presidente tem se tornado um estranho e muito positivo vaticínio para nós brasileiros. Brincávamos com os erros de português e com a incultura monoglota de nosso presidente —como ele poderia se relacionar com líderes mundiais tendo tamanha ignorância idiomática? Pois o Lula monoglota tratou de ser o presidente brasileiro mais ouvido pelo mundo e seus líderes em toda nossa história. “O cara” como disse Barack Obama, presidente dos EUA.

Todos nós brincamos com a forma infantil, pouco técnica e até arrogante como Lula tratou a gravíssima crise econômica global que chagava ao país. “Marolinha”, disse ele, não teria o condão de descontinuar nosso crescimento. Todos fizemos da expressão uma piada, nossa mídia inclusive. Pois é, hoje, o governo está adotando medidas para conter o “super-crescimento” que ocorre este ano. Era marola mesmo.

Muitas foram as piadas sobre a forma anti-democrática como Lula se comportaria forçando com sua popularidade um terceiro mandato, embora ele negasse veementemente que adotaria tal conduta. Pois é, estamos em eleições presidenciais. Lula não concorre e se submete tranquilamente às regras do processo democrático, sem plebiscito bolivariano aclamativo e autoritário, ou qualquer outra forma de “défict” democrático. Aliás, na normalidade democrática conquistou mais melhorias sociais e integração de excluídos ao mínimo existencial que muitas ditaduras de esquerda.

Quando Lula partiu rumo ao Irã, as críticas já se apresentaram contundentes e, com elas, as piadas dos ilustrados sobre a forma singela e supostamente ignorante como Lula se referia a postura do governo iraniano na questão nuclear. Lula dizia que era importante alguém ir lá conversar com o líder iraniano.

Nenhum douto analista de nossa mídia lembrou do óbvio em diplomacia, do seu instrumento funcional mais primário: a conversa, a negociação. O velho sindicalista, habituado às mesas e rodadas infinitas de negociação em conflitos trabalhistas foi lá e marcou o nome de nosso país na principal agenda política global. E fez isso de um jeito simples, sem rococós acadêmicos ou expressões em inglês ou alemão, mas pelo único meio que ainda nos resta como humanidade para construirmos a paz e evitarmos a guerra: a conversa.

No dia seguinte ao acordo histórico, o primeiro dessa envergadura que teve o Brasil como protagonista, o “Estadão” noticiava em manchete que o líder turco roubou a cena de Lula ao anunciar o acordo. Estranha forma de selecionar o relevante na informação para formar a manchete. Forma isenta de se expressar, não?

O Brasil não é uma potência militar, não somos uma sociedade belicosa, nunca precisamos contar com grandes poderios militares para nossa defesa. O Brasil tem crescido muito economicamente, mas ainda é um país pobre, sem presença pujante na economia global. Não é por conta de nosso potencial bélico ou nossa riqueza econômica que passamos a figurar como protagonistas de questões políticas mundiais.

Temos assumido, por obra de nossa economia em crescimento e de nossa diplomacia “lulista”, um inegável papel de liderança na América Latina que coloca o país no centro do debate global. Por diversas e diferentes razões, projetamo-nos como país protagonista no plano global. Mas uma dessas razões nossa mídia resiste imensamente em reconhecer: a indiscutível habilidade diplomática de nosso presidente monoglota. O carisma insofismável de Lula é o principal ingrediente de nosso sucesso como país nas relações globais. Passamos a existir no mundo pelo jeito simples, alegre e até meio debochado de nosso presidente.

A mídia global nada mais faz que cumprir seu papel jornalístico-profissional, reconhecendo e noticiando o fato. Os principais e mais relevantes veículos de todo o mundo, com destaque nunca antes dado a um presidente brasileiro, reconhecem o papel invulgar de Lula no momento político internacional. Nossa mídia por vezes de forma sutil, outras vezes nem tanto, parece querer a cada passo desmerecer suas conquistas e, com isso, perde a oportunidade de ganhar em qualidade ética de jornalismo e, ao mesmo tempo, de noticiar um momento histórico singular que passamos como nação em toda sua riqueza.

Setores de classe média paulistana, que integro e convivo em meu cotidiano, adquiriam uma visão de tal forma parcial e ideologicamente antipática a nosso presidente que, como é comum dizer, “se Lula andasse sobre as águas diriam que ele não sabe nadar”.

Sempre culpabilizamos nossos políticos por nossa pequenez como nação, mas talvez desta vez o mesquinho nos habita. Pela primeira vez em meu quase meio século de existência, vejo nosso país sendo admirado e querido pelo mundo. Falta ser querido um pouco mais por nós, brasileiros de classe média. Afinal, fomos nós, mais que Lula ou qualquer outro, que construímos esta nação. Nós somos os vitoriosos.

Mais que ninguém a classe média é a base de nosso sucesso como país, fomos nós, consumidores brasileiros, que fizemos o grande maremoto da crise global virar marola local. Nenhum banco, governo ou organismo internacional nos ajudou. Nós confiamos em nossa economia, em nossa criatividade, em nossa capacidade de gestar futuro e esperança. Sem enfrentamentos violentos. Nós preferimos driblar o “alemão” da crise, parafraseando Garrincha.

Lula e seu governo tiveram erros imensos. A demora em apresentar um plano de direitos humanos, fazendo-o em momento inoportuno, a ausência de ousadia em radicalizar conquistas sociais universalizando direitos fundamentais, a falta de uma crítica mais contundente ao autoritarismo cubano, uma administração medíocre de nossos problemas de infraestrutura e muitos outros.

Mas nenhum desses erros tem o condão de empecer o que resulta da mais antiga piada quanto a Lula na Presidência. Eu mesmo, por diversas vezes, fiz piada com a famosa frase de nosso presidente “nunca antes em nossa história”.

Pois é, hoje, sem piada, afirmo, no mesmo sentido do proprietário da empresa de pesquisa Ibope que, independentemente do resultado de nossa eleição presidencial, nunca antes em nossa história tivemos um presidente tão relevante como Lula. E digo mais: relevante para nossa dignidade como nação.

Acho até que Lula não é apenas o mais importante presidente de nossa história, mas talvez seja um dos mais relevantes brasileiros de nossa história. Parafraseando a Obama, Lula é “o” brasileiro.

Pedro Estevam Serrano

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