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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, maio 17, 2010

New York Times: Irã oferece envio de urânio, complicando debate sobre sanções






New York Times: Irã oferece envio de urânio, complicando debate sobre sanções

Iran Offers to Ship Uranium, Complicating Sanctions Talks

By Michael Slackman

Published: May 17, 2010

CAIRO — O Irã anunciou na segunda-feira um acordo para enviar parte de seu combustível atômico para a Turquia, o que seria uma solução de curto prazo para o atual enfrentamento do país com o Ocidente, ou apenas uma tática com o objetivo de tirar dos trilhos as tentativas de impor novas sanções a Teerã.

O acordo, negociado com a Turquia e o Brasil, prevê que o Irã enviará 1.200 quilos de urânio pouco enriquecido para a Turquia, onde o material ficaria estocado. Em troca, depois de um ano, o Irã teria o direito de receber cerca de 265 libras de material enriquecido da Rússia ou da França.

O acordo é espelho de outro que estava em negociação com o Ocidente em outubro passado mas que fracassou quando o Irã voltou atrás. Mas não está claro se o governo Obama vai concordar com ele agora — em parte porque o Irã continuou enriquecendo urânio, aumentando seu estoque.

Em outubro, os 1.200 quilos que o Irã supostamente enviaria para fora do país representavam cerca de dois terços de seu estoque de combustível nuclear — o suficiente para assegurar que o país não teria material nuclear suficiente para fazer uma bomba.

Mas agora, a mesma quantia de combustível representa uma proporção menor de seu estoque declarado.

De acordo com um diplomata ocidental que falou em troca de anonimato porque não tem autorização para falar com repórteres, a quantidade de urânio de baixo enriquecimento que o Irã está preparado para enviar à Turquia agora representa pouco mais da metade de seu estoque atual.

“A situação mudou”, o diplomata disse.

O acordo poderia muito bem enfraquecer as chances do governo Obama de obter aprovação internacional para novas medidas punitivas contra o Irã. A China e a Rússia, que tem se mostrado relutantes em impor sanções a um importante parceiro comercial, poderiam usar o anúncio para por fim às discussões sobre novas medidas, que representariam o quarto round de sanções.

Washington está buscando novas sanções porque o Irã se nega a suspender o enriquecimento de urânio ou a responder a perguntas de inspetores internacionais a respeito de provas sugerindo a existência de pesquisa sobre armas e experimentos similares. Os inspetores também foram bloqueados em suas tentativas de visitar vários lugares que pediram para examinar.

O sr. Obama agora está diante de escolhas difíceis. Se ele se afastar do acordo, vai parecer que está rejeitando um acordo similar ao que estava disposto a assinar oito meses atrás. Mas se ele aceitar, muitas das questões que ele tem dito precisam ser resolvidas com o Irã nos próximos meses — a maioria sobre o trabalho suspeito para a construção de armas — ficarão em suspenso por um ano ou mais. Muitas autoridades americanas acreditam que este é o objetivo maior do Irã.

Autoridades iranianas, no entanto, saudaram o acordo como um divisor de águas. Eles disseram na TV estatal iraniana que o próximo passo será negociar os termos com o chamado Grupo de Viena — como o Irã descreve o grupo informal formado por Estados Unidos, França, Rússia e a Agência Internacional de Energia Atômica, ente das Nações Unidas baseado em Viena.

Os iranianos disseram que enviarão uma carta confirmado o acordo à AIEA dentro de uma semana.

“Isso mostra que o Irã não está buscando armas nucleares mas o uso pacífico da tecnologia nuclear”, disse Ramin Mehmanparast, o porta-voz do ministério das Relações Exteriores, em uma entrevista coletiva televisionada na segunda-feira. “Essas interações devem substituir as tentativas de confronto”.

Diplomatas em Viena disseram que a AIEA não foi notificada oficialmente do acordo. Mas o fato de que Teerã agora concorda em fazer a troca de urânio fora de seu território é potencialmente significativo.

O anúncio, que parece voltado a satisfazer demandas internacionais, aconteceu quando o governo do Irã está diante de demandas políticas e econômicas em casa.

Embora o acordo tenha sido visto como um passo positivo por experts regionais, também há ceticismo sobre se é real ou apenas uma tentativa de transferir a culpa do conflito para o Ocidente, além de acabar com as discussões no Conselho de Segurança das Nações Unidas para impor novas sanções, o que parecia possível dentro de algumas semanas.

“O Irã tem uma história de fazer acordos e depois voltar atrás”, disse Emad Gad, um expert em relações internacionais do Centro Ahram de Estudos Políticos e Estratégicos do Cairo. “Deixa a situação ficar realmente tensa e então chega a um acordo. Isso é uma das características genuínas da natureza da política no Irã”.

Coincidindo com as pressões por novas sanções, no dia 12 de junho o Irã marcará o aniversário das controversas eleições presidenciais do ano passado, que levaram a meses de protestes e conflito. O Irã também enfrenta sérias pressões econômicas por causa da inflação, perda de investimento estrangeiro e a possibilidade de retirada de subsídios em commodities, que significariam o aumento de preços e, talvez, novas tensões sociais.

“Com acordos como este ou anúncios como este, você precisa ser cético, pelo menos inicialmente, porque muitas vezes no passado eles foram uma oportunidade mais virtual que substancial”, disse Michael Axworthy, o ex-diplomata britânico e expert no Irã que dá aulas na Universidade de Exeter.

Parece haver razões para ceticismo. Em Teerã, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores disse a uma pessoa que participou da entrevista coletiva que o Irã não iria, por exemplo, suspender seu programa de enriquecimento de urânio a 20% — o que torna o combustível mais próximo do grau adequado para uso em armas.

O Irã diz que seu programa nuclear é pacífico, enquanto o Ocidente diz que visa construir armas. Essas acusações foram amplificadas depois que o Irã melhorou e testou seus mísseis de longo alcance.

Os termos do acordo de hoje parecem similares ao acordo geral negociado no ano passado em Genebra. O acordo fracassou quando o Irã parece ter voltado atrás em seu compromisso de enviar o combustível para um terceiro país.

O Irã havia insistido inicialmente que a troca fosse conduzida em seu território, uma demanda rejeitada pelo Ocidente. Mandar a maioria do combustível para fora do Irã permitiria pelo menos adiar por algum tempo a capacidade do Irã de construir sua bomba enquanto negociações de longo prazo poderiam acontecer.

O acordo de Genebra também previa a remessa de 2.640 libras de urânio enriquecido a 3,5% para a Rússia, onde seria enriquecido a 20%, e em seguida para Paris, onde o urânio seria preparado para uso no reator médico do Irã. Na época o acordo foi considerado aceitável por Washington porque representava o que se acreditava ser a maior parte do estoque de urânio do Irã.

O acordo de Genebra fracassou sob intensa pressão política no Irã, quando todas as facções políticas criticaram os termos como comprometedores do direito do Irã à energia nuclear. O time de negociadores do Irã então — e de novo na segunda-feira — argumenta que o acordo é do interesse do Irã porque de fato confirma o direito do país de enriquecer urânio.

“E com o apoio do Irã, hoje uma declaração foi divulgada, que reconhece que o Irã tem direito ao uso pacífico da energia nuclear, especialmente ao enriquecimento de urânio”, disse o chefe da Organização Nuclear iraniana, Ali-Akbar Salehi, na TV.

Os termos do acordo foram resultado de encontros envolvendo o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad; o ministro das Relações Exteriores Manouchehr Mottaki; Saeed Jalili, secretário do Conselho Supremo de Segurança Nacional; o presidente do Brasil Luiz Inácio Lula da Silva; e o primeiro-ministro da Turquia, Racep Tayyip Erdogan, de acordo com a agência oficial iraniana IRNA.

Se bem sucedido o acordo confirmaria a contínua ascensão da Turquia e do Brasil como forças globais. A Turquia, em particular, tem em meses recentes se reengajado no Oriente Médio, buscando ocupar um vácuo de liderança na região.

Ferai Tinc, um analista político que escreve para o jornal turco Milliyet, disse que “Ancara nunca apoiou totalmente o Irã, nem advogou violência ou sanções contra o Irã, mas defendeu fortemente a promoção de uma solução diplomática”.

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